Não é de hoje que o aplicativo do WhatsApp tem sido usado de forma quase onipresente. Bate papo entre amigos, grupo da família, de trabalho, vendas, reunião, negócios, troca de conhecimentos, tudo parece passar por ali. Recentemente, uma atualização na plataforma permitiu acelerar os áudios recebidos.
À primeira vista, parece ser uma solução para os longos registros enviados pelos interlocutores mais prolixos. No entanto, é preciso fazer a pergunta: por que aceleramos os áudios, os vídeos e a vida?
“Acelerar áudios de WhatsApp é apenas mais um sintoma da ansiedade com a qual estamos lidando com a vida, principalmente, com o trabalho“, avalia o psicólogo Kleber Marinho.
Ele explica que, teoricamente, ao acelerar um áudio ou um vídeo, o indivíduo tem a sensação de estar “ganhando tempo”. “Mas, o que ele vai fazer com esse tempo? Provavelmente, trabalhar mais e ouvir mais áudios”.
Tal comportamento acarreta em mais um componente de sobrecarga mental, sendo que, ao final do dia, pode surgir a sensação de frustração por não ter dar conta de tudo. “Há estímulos para pensarmos que poderíamos fazer mais, produzir mais. Parece que estamos sempre devendo, sendo que o dia continua tendo 24 horas”, diz Kleber.
Segundo o especialista, comportamentos assim – de acelerar áudios e vídeos – acabam por deixar as pessoas em um estado de hipervigilância, que sim pode ser um gatilho para uma crise de ansiedade.
De acordo com Organização Mundial da Saúde (OMS), o Brasil é o país com a maior taxa de pessoas com transtornos de ansiedade no mundo e o quinto em casos de depressão. Segundo estimativas da entidade, 9,3% dos brasileiros têm algum transtorno de ansiedade e a depressão afeta 5,8% da população.
Contexto pandêmico
Para Kleber, pesam nesse cenário a precarização das relações de trabalho agravadas durante a pandemia do coronavírus.”Se tornou mais frequente uma espécie de assédio laboral, com mensagens e áudios a qualquer hora, o que contribui para a ansiedade”, afirma. Ele avalia que é necessário um debate para estabelecer limites em relação a estes comportamentos.
O especialista acrescenta que os áudios podem desencadear também uma falta de empatia pela voz do outro. “Quando ouvimos a voz do outro, podemos ter uma percepção sobre o estado emocional da pessoa; se está mais triste, chateada, animada. Quando aceleramos, perdemos essa qualidade nas relações”, completa.
Mas para o psicólogo clínico Guilherme Santos, acelerar áudios não parece ser um fator tão preocupante. “Eu diria que a ansiedade tem mais a ver com o conteúdo do que com a velocidade. Se o chefe manda mensagem, nosso cérebro já imagina o pior como um mecanismo de defesa, aí ouvimos a mensagem acelerada para saber logo se o conteúdo bate com o conteúdo imaginado”, explica.
Ele justifica que nossa capacidade de compreensão da mensagem, mesmo em velocidade aumentada, não é comprometida. No entanto, existe uma diferença entre acelerar uma aula ou instrução e uma música, na qual se pressupõe um momento de apreciação. “Somos condicionados a pensar o tempo todo dentro da ótica da produtividade. Quando decidimos acelerar até os momentos prazerosos, devemos procurar entender porque isso está acontecendo”, completa.
Metrópoles