A Polícia Federal pediu nesta sexta-feira (11) a quebra dos sigilos bancário e fiscal do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) após apontar a suspeita de que ele utilizou a estrutura do governo federal para desviar presentes de alto valor oferecidos a ele por autoridades estrangeiras.
A decisão agora cabe ao relator do caso, o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Alexandre de Moraes, que, a partir de relatório da PF, autorizou uma operação deflagrada nesta sexta-feira (11), com mandados de busca e apreensão relacionados a Bolsonaro no caso das joias enviadas por autoridades sauditas.
Foram alvos o general da reserva do Exército Mauro Lourena Cid, pai do ex-ajudante de ordens Mauro Cid, Frederick Wassef, advogado de Bolsonaro, e Osmar Crivelatti, tenente do Exército e que também atuou na ajudância de ordens da Presidência.
Além da quebra de sigilo, a PF também pretende tomar depoimento do ex-presidente. Tanto Bolsonaro quanto seus advogados não se manifestaram até o começo da noite desta sexta-feira (11).
Moraes afirma que os dados analisados pela corporação indicam a possibilidade de o órgão responsável pela análise e definição do destino de presentes oferecidos por autoridade estrangeira ao presidente da República, no caso o Gabinete Adjunto de Documentação Histórica da Presidência, “ter sido utilizado para desviar, para o acervo privado do ex-presidente da República, presentes de alto valor, mediante determinação de Jair Bolsonaro”.
Apenas três itens supostamente desviados alcançam cerca de R$ 900 mil, nas contas da PF -cerca R$ 588 mil de um kit de joias com relógio da marca Chopard, que foi colocado a venda em uma leiloeira de Nova Iorque, mas que não chegou a ser comercializado, e R$ 333 mil de dois relógios, sendo um Rolex, que chegou a ser vendido, mas depois foi recomprado para devolução ao patrimônio público.
A PF aponta, diz Moraes, “indícios de que alguns presentes recebidos por Jair Messias Bolsonaro em razão do cargo teriam sido desviados sem sequer terem sido submetidos à avaliação do GADH/GPPR [o gabinete de documentação]”.
Em um dos trechos, a PF descreve a existência de um áudio em que Mauro Cid relata, em 18 de janeiro deste ano, a existência de US$ 25 mil (cerca de R$ 122 mil) em posse de seu pai, “possivelmente pertencentes a Jair Bolsonaro”.
“Na mensagem, Mauro Cid deixa evidenciado o receio de utilizar o sistema bancário formal para repassar o dinheiro ao ex-presidente e então sugere entregar os recursos em espécie, por meio de seu pai”, prossegue a PF.
No áudio enviado a outro integrante da assessoria de Bolsonaro, Mauro Cid diz, de acordo com a transcrição: “Tem vinte e cinco mil dólares com meu pai. Eu estava vendo o que, que era melhor fazer com esse dinheiro levar em ‘cash’ aí. Meu pai estava querendo inclusive ir ai falar com o presidente (…) E aí ele poderia levar. Entregaria em mãos, mas também pode depositar na conta. (…) Eu acho que quanto menos movimentação em conta, melhor, né?”
As diligências realizadas indicam que Bolsonaro e sua equipe usaram o avião presidencial em 30 de dezembro de 2022 para retirar do país bens de alto valor.
Levados para os Estados Unidos, na sequência foram encaminhados para lojas especializadas em venda e leilão de objetos nas cidades americanas de Miami, Nova York e Willow Grove.
A viagem ocorreu em 30 de dezembro, véspera de seu último dia de mandato, para assim evitar seguir o rito democrático de passar a faixa a seu sucessor eleito, o hoje presidente Lula (PT).
A PF cita ainda outro voo em que presentes teriam sido levados para o exterior -junho de 2022, quando Bolsonaro foi aos Estados Unidos para a Cúpula das Américas.
Sobre Mauro Lourena Cid, pai de Mauro Cid, a PF disse ao STF que o oficial do Exército teria guardado em sua residência, em Miami, objetos dados como presente a Bolsonaro e, junto com seu filho (Mauro Cid), teria encaminhado os artigos, pertencentes ao acervo público brasileiro, para estabelecimentos comerciais especializados, para serem avaliados e vendidos por meio de leilão.
“Os recursos, então, seriam encaminhados em espécie para Jair Messias Bolsonaro, evitando, de forma deliberada, não passar pelos mecanismos de controle e pelo sistema financeiro formal, possivelmente
para evitar o rastreamento pelas autoridades competentes, conforme informado pela Polícia Federal”, diz o ministro.
“A investigação identificou, portanto, até o momento, que esse modus operandi foi utilizado para retirar do país pelo menos quatro conjuntos de bens recebidos pelo ex-presidente da República em viagens
internacionais.”
Os presentes listados reúnem um conjunto de itens masculinos da marca suíça Chopard, um kit de joias contendo um anel, abotoaduras e um relógio da marca Rolex, uma escultura de um barco dourado, uma escultura de uma palmeira dourada e um relógio da marca Patek Philippe.
De acordo com o Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras), o pai de Mauro Cid enviou valores para o exterior de forma fracionada -quatro remessas de US$ 3.000 (mais de R$ 15 mil, com variações a depender da data) durante os dias 10, 11, 16 e 18 de janeiro de 2023. Elas totalizaram R$ 62.683.
Transações fracionadas causam suspeitas porque às vezes têm como intenção não chamar atenção da fiscalização.
Nos EUA, o pai de Mauro Cid chefiava o escritório brasileiro da Apex (Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos).
Os autos apontam também o envolvimento de Frederick Wassef. O advogado de Bolsonaro, segundo o inquérito, atuou para recuperar um relógio que havia sido vendido pelo grupo, mas que foi objeto de decisão do Tribunal de Contas da União no sentido de que ele deveria ser devolvido ao patrimônio público.
“A investigação também trouxe fortes indícios de que Frederick Wassef integrou o esquema criminoso, atuando na recuperação do relógio Rolex Day-Date, vendido para a loja Precision Watches”, diz um trecho da decisão de Alexandre de Moraes.
“Frederick Wassef viajou para os Estados Unidos, reavendo o bem no dia 14 de março de 2023. Posteriormente, de forma oculta, no dia 29 de março de 2023, trouxe o relógio para o Brasil, entregando para Mauro César Cid na cidade de São Paulo, para posterior devolução ao Estado brasileiro.”
O nome da operação da PF desta sexta, “Lucas 12:2”, é uma alusão ao versículo que diz: “Não há nada escondido que não venha a ser descoberto, ou oculto que não venha a ser conhecido”.
Em nota, a PF afirmou que a ação tem o “objetivo de esclarecer a atuação de associação criminosa constituída para a prática dos crimes de peculato e lavagem de dinheiro”. As ações ocorrem dentro do inquérito policial das milícias digitais, em tramitação no STF sob a relatoria de Moraes.
Procurado, o advogado de Mauro Cid, Bernardo Fenelon, disse em nota que ainda não teve acesso aos autos da investigação que ocasionou as buscas e apreensões. “Por esse motivo não temos como fazer qualquer comentário, afirmou.
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