“Queremos que o governo estadual zere o ICMS do combustível. Esses dias, abasteci R$ 220, mas R$ 94 foi apenas de imposto. Se a gasolina chegar a R$ 7, como dizem, não tem como trabalhar. A gente busca o diálogo, mas numa possível manifestação, a população também estaria do nosso lado porque os combustíveis e a qualidade do transporte impactam e também prejudicam diretamente a vida deles”, afirmou Eduardo Lima de Souza.
Motoristas disseram que isso é verdade e que ocorre porque muitas vezes o percurso não vale a pena, por conta do grande deslocamento até o local onde o passageiro está.

A massoterapeuta Ana Paula Aparecida de Oliveira, de 38 anos, trabalha há cinco como motorista de aplicativo, depois que se divorciou e abandonou o emprego na empresa do ex-marido. Com o dinheiro do trabalho com aplicativos, ela criou os dois filhos, hoje com 18 e 14 anos, mas agora reflete: “penso todos os dias em desistir”.
“É triste quando fecha o dia e eu saio para abastecer. Estou há muito tempo fora do mercado de trabalho e tenho dois filhos para criar, senão eu voltaria para a minha área”, afirmou.
Ana Paula é uma motorista exemplar e possui um status que os mais novos almejam: 25 mil corridas acumuladas nos aplicativos, sendo 15 mil na Uber e 10 mil na 99.
Ela ainda é avaliada pelos passageiros com nota 5 (máxima) na 99 e 4,99 na Uber. Quanto maior a nota e o número de corridas, mais chances ela tem de ser selecionada pelo algoritmo para transportar mais passageiros.
Com tamanha experiência no mercado, ela diz trabalhar 14 horas por dia, das 18h às 8h. Como a Uber só libera 12 horas de jornada por dia, as outras duas ela complementa com a 99.
“É uma jornada muito puxada, mas necessária. É um horário de urgência e emergência, no qual somos muito acionados. Se você ligar para a ambulância, ela demora, mas a preta aqui chega em 5 minutos”, afirmou sorrindo.
Ela disse que dezenas de motoristas relatam, em grupos de WhatsApp que ela participa, que estão exaustos, deprimidos, com ansiedade e desesperados por não terem certeza de que conseguirão pagar as contas no fim do mês. Ela também se diz “lutando contra o psicológico”, mas afirma que usa truques para não ficar no prejuízo. Entre eles, está a escolha de corridas.
“Eu escolho corridas, não nego. Quando toca uma corrida longa, eu aceito. Já no horário de pico, se eu pego muitas curtas, o lucro é menor porque algumas vezes demora 10 minutos para chegar até o passageiro. Geralmente, eu perco esse tempo e gasto combustível para fazer uma corrida pequena”, relatou.
Para ela, o ideal seria ter condições de instalar um kit GNV no carro para economizar combustível.
“Assim, eu teria um fôlego maior. Eu tenho um carnê do carro para pagar, responsabilidades e dois filhos adolescentes em casa. Eu pago R$ 300 de luz. Eu queria ter uma válvula de escape, mas a minha área é descartável. As pessoas abrem mão de muita coisa e deixam a minha área por último. Ninguém quer fazer massagem na crise”, afirmou.
Escolha e cancelamento de corridas
O presidente da Amasp, que também trabalha como motorista, disse que se tornou comum ocorrer situações nas quais o motorista gasta mais para buscar o passageiro do que ganha para levá-lo ao destino.
“Semana passada, tive de rodar 17 minutos (5,9 km) para chegar ao passageiro. Quando o peguei, percorri 1,5 km em cinco minutos. Ganhei R$ 8 pela corrida, o que mal deu para pagar o combustível, já que meu carro faz 5,9 km com um litro de etanol”, afirmou Eduardo Lima de Souza.
Ele ainda critica o algoritmo do aplicativo, que, segundo ele, liga motoristas a passageiros que estão mais distantes. Ele mesmo disse ter feito testes com outros motoristas, que apontaram que o aplicativo acionou motoristas mais longe, ao invés de alguns que estavam mais próximos dos passageiros.
Souza também diz que o aplicativo, muitas vezes, cancela a corrida sozinho.
“As plataformas estão com problemas nos aplicativos e a culpa está caindo nos motoristas”, afirmou.
Rosemar Pereira, de 48 anos, disse que só não desistiu de trabalhar como motorista de aplicativo porque ganhou há um mês um kit GNV de um amigo.

“Eu só tive de pagar R$ 800 para instalar e R$ 600 para alterar a documentação do carro, mas te garanto que a economia é gigante. O problema é que a maioria dos motoristas não tem condição de fazer esse investimento. Eu mesmo tive de usar o cartão da minha esposa para pagar a instalação”, contou.
Pereira é motorista profissional há mais de 20 anos. Já dirigiu táxi, ônibus e agora trabalha com aplicativos porque não consegue voltar para a área de origem. Ele conta que já deixou o currículo dele em diversas empresas de transporte para voltar a dirigir ônibus, mas acredita que não é contratado por ser considerado velho para a profissão.
Na opinião dele, se a previsão de alguns economistas se concretizar e o combustível continuar aumentando, a categoria não conseguirá mais trabalhar e acabará.
“Se tiver mais dois aumentos, a profissão acaba, se torna inviável. Essas promoções que os aplicativos fazem para os passageiros são inviáveis para nós. Os carros são lavados pelo menos duas vezes por semana. Eu só não desisti porque não arrumei nada e ganhei esse kit que caiu do céu. Mas se os aplicativos diminuíssem a taxa deles e o governo reduzisse os impostos, ajudaria bastante o motorista”.
BBC