Hoje, comemora-se a Paixão de Cristo, dia também conhecido como Sexta-Feira Santa. A data antecede a Páscoa, que é celebrada no domingo, mas cada um dos dias tem uma representação. A Paixão de Cristo celebra a paixão (com significado de sofrimento) e a morte de Cristo. No domingo, a lembrança é a da ressurreição.
Por que a data da morte de Cristo é chamada de “Paixão”?
Origem da palavra “paixão” está no verbo “padecer”. Por isso, o significado para a Igreja é o sofrimento de Cristo. “Paixão é sofrimento em qualquer uso que você faça. Mas hoje a palavra ‘paixão’ concorre com a palavra amor ou com o ‘estar apaixonado’, ‘estar amando alguém'”, explica José Luís Landeira, professor, pesquisador e pós-doutor em língua portuguesa pela Universidade de Coimbra (Portugal).
Especialista explica que a palavra mudou de sentido ao longo dos anos. “Os sentidos foram ampliados, o que confunde as pessoas, principalmente quando se fala na Paixão de Cristo”, diz. “
A língua portuguesa é um organismo vivo, que pulsa, vive, vai se transformando e vai ganhando novos sentidos. Essa é a coisa mais linda em falar português.José Luís Landeira
Landeira diz que a palavra foi perdendo o sentido no século 20. “Hoje, estar apaixonado é uma coisa boa”, explica. Mas nem sempre foi assim. Antigamente, explica o pesquisador, “paixão” era sofrimento, dor. “Ela se referia ao sofrimento que é amar alguém, o que esse amor provoca. Principalmente quando não é correspondido. Isso fica muito forte no século 19.”
Mas não devemos perder o seu sentido original, que é visto em muitas obras literárias, como ‘A paixão segundo o GH’, na qual Clarice Lispector brinca com os dois sentidos da palavra paixão. E até hoje, ainda é muito comum relacionar a paixão com o sofrimento: é o amor que pulsa dentro da nossa maneira de ser. Fernando Pessoa, por exemplo, dizia que a dor é o sentimento mais forte e mais intenso, e que é a partir dele que você produz a melhor das artes.José Luís Landeira
Como foi a morte de Cristo?
A morte de Jesus foi consequência direta de sua atuação política e religiosa contra o Império Romano. A avaliação é do historiador André Leonardo Chevitarese, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, ouvido pela BBC News Brasil. Segundo ele, o “reino de justiça” que Jesus anunciava era uma ameaça ao domínio de César.
A crucificação, então comum, era usada contra escravizados e rebeldes. A prática é descrita pelo cientista político Gerardo Ferrara, da Pontifícia Universidade da Santa Cruz (Roma), como “tão cruel e humilhante que não era reservada aos próprios romanos”
A ciência forense buscou entender o que de fato ocorre com um corpo preso a uma cruz. O médico legista norte-americano Frederick Zugibe, ex-patologista do Instituto Médico Legal de Rockland County (NY), realizou testes com voluntários suspensos em réplicas de cruzes. Ele descreve, no livro “The Crucifixion of Jesus: A Forensic Inquiry” (A Crucificação de Jesus: Uma Investigação Forense, em tradução livre), que os indivíduos apresentavam cãibras, colapso muscular e dificuldade respiratória intensa.
Durante décadas, a hipótese mais aceita era a de asfixia progressiva. Nessa visão, o esforço constante para manter o corpo erguido na cruz causava o colapso dos músculos respiratórios. A cada inspiração, o condenado precisava se apoiar nos pés cravados e nos braços estendidos, até perder completamente a força —e morrer sufocado.
O cirurgião francês Pierre Barbet popularizou essa tese em 1950, no livro “A Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo Segundo o Cirurgião”. Para ele, a posição de crucificação causava compressão do diafragma e insuficiência respiratória. A hipótese ainda é levada em conta por parte da comunidade médica, mas foi rebatida por Zugibe, que considerou seus métodos pouco precisos e experimentou novas abordagens empíricas.
Zugibe concluiu que Jesus morreu por choque hipovolêmico, causado por hemorragia maciça. A perda de sangue por causa dos açoites e da fixação com cravos teria levado a uma parada cardíaca. Essa hipótese é reforçada por artigo publicado na National Library of Medicine, em 2021, que destaca a hipovolemia como uma das três causas mais prováveis de morte por crucificação, ao lado da asfixia e do infarto.
A arqueologia trouxe evidências raras, mas cruciais, sobre o método de execução. Em 1968, arqueólogos israelenses encontraram, em Jerusalém, o osso do calcanhar de um homem chamado Jehohanan, atravessado por um prego —uma descoberta considerada, pela revista Biblical Archaeology Review, como a única evidência física clara de crucificação romana.
Outro achado ocorreu em 2021, em Cambridgeshire, no Reino Unido. Arqueólogos britânicos identificaram um esqueleto com marcas de crucificação datadas do século 4, conforme noticiado pela Smithsonian Magazine. As descobertas ajudam a confirmar o uso da crucificação como punição comum fora dos relatos bíblicos.
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