Após afrouxar restrições sanitárias, país tem explosão no número de casos; em Pequim, demanda por ambulâncias aumenta 600%, e crematório opera 24h por dia; nação ainda não tem vacina de mRNA, mas chineses se antecipam e viajam para tomar a da Pfizer em Macau, onde ela é permitida
Após uma onda de protestos em novembro, o governo decidiu afrouxar as medidas anti-Covid a partir da primeira semana de dezembro. É uma medida inédita, com consequências igualmente inéditas: nos últimos dias, o país começou a enfrentar sua primeira grande onda de infecções.
A China parou de divulgar o número de casos, mas o efeito já é visível em várias cidades, e o governo trabalha com números altos. O vice-diretor do Chinese Center for Disease Control afirmou que até 60% da população chinesa poderá ser infectada pelo coronavírus nos próximos três meses. Isso dá mais de 800 milhões de pessoas. É uma previsão avassaladora – no resto do mundo, houve pouco mais de 653 milhões de casos confirmados durante os três anos de pandemia.
Em Pequim, um dos crematórios designados para receber os corpos dos mortos pela Covid está trabalhando 24 horas por dia – segundo um funcionário, ouvido pelo Wall Street Journal, o local tem recebido em média 200 corpos por dia, contra 30 a 40 antes da onda de Covid. Também em Pequim, segundo o WSJ, o serviço de ambulâncias está recebendo 30 mil chamadas por dia, seis vezes a demanda normal – e as autoridades pediram que a população só o acione em último caso.
Em Xangai, afirma a agência Reuters, o movimento nas ruas despencou: com medo da onda de Covid, a população está preferindo ficar em casa – e as autoridades anunciaram que as escolas deverão fazer as aulas remotamente, pela internet, a partir de hoje (19).
Já faltam medicamentos e testes de Covid nas farmácias de várias cidades, até de fora da China: isso também acontece em Hong Kong, Macau e até na Austrália, pois os chineses estão comprando remédios e testes via internet (ou recebendo encomendas enviadas por parentes e amigos que moram nesses locais).
Quase 90% dos chineses foram vacinados contra a Covid – mas, até hoje, o país não dispõe das vacinas de mRNA, que oferecem maior proteção. Além disso, nenhuma vacina é 100% eficaz. E a população da China é imensa.
Esses três fatores significam que o país pode acabar tendo grande quantidade de mortes por Covid. Uma projeção feita pelo Institute of Health Metrics and Evaluation (IHME), da Universidade de Washington, estima que a China poderá somar 1 milhão de óbitos pela doença ao longo de 2023. (Os dados oficiais não parecem nada confiáveis: ontem, o governo chinês anunciou apenas duas mortes por Covid, as primeiras desde o dia 3 de dezembro.)
Nesse cenário, alguns chineses começaram a viajar até Macau para tomar a vacina da Pfizer, que é aplicada lá – a península esteve sob controle português até 1999 e hoje pertence à China, mas é uma região autônoma, com leis diferentes do resto do país.
A China está desenvolvendo sua própria vacina de mRNA. Ela foi criada pela empresa Walwax Biotech, mas ainda não está liberada para uso no país. Assim como no caso da Coronavac (que foi aprovada no Brasil em 17/1/2021, três semanas antes da própria China), o governo chinês preferiu esperar a aplicação em outro país antes de autorizar o uso da Walwax em seu próprio território. Desta vez, a escolhida foi a Indonésia, onde a nova vacina foi liberada no dia 30 de setembro.
A China tem resistido a adotar as vacinas de mRNA americanas. Na semana passada, ela autorizou o uso da vacina da Pfizer – mas só para os alemães que vivem no país. Trata-se de uma medida mais diplomática do que sanitária.
Isso porque a vacina da Pfizer foi criada junto com a empresa BioNTech, da Alemanha, país que adotou uma contrapartida: liberou o uso da Coronavac pelos chineses que vivem em seu território (caso eles queiram). O intercâmbio foi negociado em novembro, durante a visita à China do primeiro-ministro alemão Olaf Scholz.
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