Há um divertido episódio do seriado “Os Simpsons” em que o protagonista Homer faz o possível e o impossível para fugir de uma cirurgia de doação de orgãos. É evidente que ele quer ajudar a salvar a vida de seu pai — que receberia um de seus rins — mas o pânico da operação o faz desistir da ideia sucessivas vezes. Para além do exagero do desenho, é claro, o comportamento masculino em termos de cuidado com a própria saúde não é, exatamente, muito diferente do exibido por Homer. Médicos alertam que, em geral, homens só procuram o serviço de saúde quando o quadro é avançado — em casos já com queixas e sintomas.
Levantamentos recentes sobre o tema reforçam as percepções dos consultórios. Um estudo da ONG Oxfam mostrou que, em todos os estados brasileiros e no Distrito Federal, os homens se vacinaram menos do que as mulheres contra a Covid-19. Em São Paulo a diferença foi de 3 pontos percentuais, no Rio de quase 6.
Homens e rapazes também são mais relapsos com os cuidados necessários em caso de contágio com HIV, em todo o mundo. Enquanto 80% das mulheres com o vírus fazem o tratamento regularmente, entre os homens essa taxa é mais baixa, de 70%.
É possível ir além: os brasileiros — em comparação com as brasileiras — vivem menos. A expectativa de vida de um homem no Brasil é de 72,2 anos, enquanto a das mulheres é de 79,3. Também são os que mais fumam —em São Paulo, 12,9% dos homens contra 9,6% das mulheres são tabagistas— e tomam refrigerante acima de cinco dias na semana com mais frequência — no Rio, são 19,8% dos homens contra 11,26% das mulheres.
Os dados são do Sistema de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (Vigitel), realizado pelo Ministério da Saúde.
— Em geral, as mulheres se preocupam um pouco mais cedo com a saúde. Caso ganhem um pouquinho de peso, elas já procuram o endocrinologista. O que facilita, por exemplo, o diagnóstico de uma diabetes precoce. Os homens, por outro lado, esperam algo mais grave acontecer para só aí procurar o médico — descreve Tarissa Petry, endocrinologista do Hospital Oswaldo Cruz.
Eliézer Silva, diretor-superintendente do sistema de saúde Einstein, concorda e afirma que a soma de hábitos mais precários e a falta de vontade de procurar o médico desfavorecem o homem amplamente.
— A mulher tem consulta recorrente com a ginecologista. As meninas são ensinadas, desde cedo, que devem ir ao médico, os meninos não. Pacientes que chegam tarde ao hospital, têm tratamentos mais caros e com menor chance de sucesso — sustenta.
Urologista
Dados compilados pela Sociedade Brasileira de Urologia ratificam essa colocação. Para se ter uma ideia do abismo que separa homens e mulheres, entre janeiro e julho deste ano, 1,2 milhão de consultas com ginecologista foram realizadas no SUS, contra 200 mil com o urologista. Se observarmos os atendimentos gerais dos dois sexos no SUS, em 2021, foram 370 milhões consultas e procedimentos com mulheres contra 312 milhões com os homens.
— A mulher contar para uma amiga ou vizinha que fará um papanicolau é algo comum. Se a outra fala em uma rodinha de amigas que vai à gineco, as colegas dão a maior força. Agora, se tiver uma roda de amigos e um deles fala que vai ao urologista, ele vai ouvir piadas. Ouve que homem que é homem não vai. Tem medo de ficar impotente, foge do exame de toque, imagine, algo absolutamente simples, de três ou quatro segundos. Há muito tabu, muito preconceito — afirma Stênio de Cássio Zequi, líder da área de urologia do A.C. Camargo.
O médico acrescenta que o homem tem o triplo de chance de ter câncer na bexiga que a mulher, já que um dos fatores de risco desse tipo de tumor é o tabagismo.
Miguel Srougi, um dos maiores especialistas em urologia do país, do Hospital Vila Nova Star, ainda afirma que a hesitação masculina tem a ver com o receio de aparentar fragilidade.
— Os homens mais poderosos querem esconder quando estão doentes, os políticos também. Isso vêm mudando, mas eles ainda sentem medo de parecer vulneráveis. Pois isso, eles imaginam, pode minar a atenção que eles gostariam de receber — explica.
Para o urologista, é preciso buscar atendimento e tratamento com velocidade. Em um estudo, nos Estados Unidos, foi constatado que os pacientes que protelaram o tratamento do tipo mais agressivo de câncer na bexiga por três meses tiveram 30% mais chance de morte do que os que iniciaram os cuidados imediatamente. Esperar não é opção.
Prevenção e custo
Em consenso, os médicos pontuam como um fator absolutamente negativo a oportunidade perdida em identificar uma doença no início. Eles explicam que, em geral, problemas de saúde em estágio mais avançado têm tratamento mais caro, doloroso e menos proveitoso.
— Se pegarmos especificamente o câncer de próstata, o homem que só procura o médico após algum sintoma relacionado tem a chance de ter uma doença disseminada em mais de 90%. Significa, primeiro, que você não conseguirá curar esse paciente e vai diminuir a qualidade de vida dele. As medicações para esses estágios de saúde são muito mais caras e têm funcionamento inferior às indicadas aos pacientes em caso inicial — diz o presidente da Sociedade Brasileira de Urologia, Alfredo Félix Canalini.
O especialista acrescenta que caso o tratamento seja feito com celeridade, as estimativas se invertem.
— Imagina quantas vidas podem ser salvas? — indaga.
O Globo