Um aguardado relatório das Forças Armadas sobre a fiscalização das urnas eletrônicas e do sistema de votação, divulgado nesta quarta (9), não apontou a ocorrência de fraudes nas eleições. Isso bastaria para enfraquecer o discurso de bolsonaristas que pedem golpe militar por não concordarem com a vitória de Lula. Mas, infelizmente, eles vão ler o que querem ler. E o relatório entrega um chinelo velho para um pé cansado, ou seja, ao tratar de riscos hipotéticos anima seguidores do presidente em sua jornada psicodélica pela realidade paralela.
“Conclui-se que a verificação da correção da contabilização dos votos, por meio da comparação dos Boletins de Urna (BU) impressos com os dados disponibilizados pelo TSE, ocorreu sem apresentar inconformidade”, afirma o relatório em sua página 24, pouco antes de listar um resumo das “oportunidades de melhoria”. Como a questão da contabilização era uma das principais questionadas por Jair, isso seria o bastante para os empresários que financiam os bloqueios e protestos botassem sua viola no saco e voltassem ao trabalho.
Mas o general fez um agrado para os bolsonaristas radicais, atendendo às necessidades do seu patrão, o capitão. No ofício com o qual encaminhou o relatório das Forças Armadas ao Tribunal Superior Eleitoral, o ministro da Defesa Paulo Sérgio de Oliveira deu uma “apimentada” no conteúdo. Destacou que “foi observado que a ocorrência de acesso à rede, durante a compilação do código-fonte e consequente geração dos programas, pode [grifo meu] configurar relevante risco à segurança do processo”.
E que a partir dos testes de funcionalidade, realizados por meio do Teste de Integridade e do Projeto-Piloto com Biometria, “não é possível afirmar que o sistema eletrônico de votação está isento da influência de um eventual código malicioso que possa [grifo meu de novo] alterar o seu funcionamento”.
Percebam o uso do verbo “poder”. Apesar de não contar com fatos que corroborem sua hipótese, o ministro enumera hipóteses para criar fatos.
Algo que não provou ser falso não é necessariamente verdadeiro, da mesma forma algo que “pode” acontecer não acontecerá necessariamente. Mas isso é suficiente para ajudar a estimular o naco golpista da militância bolsonarista, que vai abraçar a existência da hipótese levantada pelo relatório como um fato consumado.
Não é um relatório abertamente golpista, mas ao jogar com esses elementos, ele entrega ração para o rebanho presidencial e impede um ponto final nessa sandice de “intervenção militar”.
A fragilidade do documento foi imediatamente percebida pelo presidente do TSE, ministro Alexandre de Moraes, que emitiu nota recebendo com “satisfação” o relatório que “não apontou a existência de nenhuma fraude ou inconsistência nas urnas eletrônicas e no processo eleitoral de 2022”. Completou, afirmando que as sugestões serão analisadas depois. Está correto, é isso mesmo, sem bater palma para os golpistas dançarem em frente a lojas da Havan.
A fiscalização das urnas eletrônica e do sistema de votação não é atribuição das Forças Armadas, mesmo assim foi isso o que elas fizeram a pedido de Jair Bolsonaro. Com uma fronteira que é mais porosa que um queijo suíço, onde nossa soberania é aviltada diariamente, surpreende que o setor de inteligência dos militares tenha tempo e recursos sobrando para lidar com algo que não é de sua competência. E sobre o qual, como podemos ver, eles não contribuíram com nada relevante.
Que o próximo governo garanta que as Forças Armadas não se submetam a esse tipo de humilhação, afastando-as da política e garantindo que façam o que a Constituição Federal espera delas. Que, certamente, não é ajudar em golpe.
Uol