A ex-prefeita de Caruaru Raquel Lyra (PSDB), que disputa o governo de Pernambuco, passou a viver um imenso drama pessoal na manhã de 2 de outubro, dia do primeiro turno. Marido da tucana e companheiro dela desde a adolescência, pai de seus dois filhos, o empresário Fernando Lucena sofreu um infarto em casa e morreu aos 44 anos. A tragédia a poucas horas das urnas levou Raquel a cogitar em não votar — o que depois ela fez, antes de seguir para o sepultamento do marido. O luto afastou a candidata da primeira semana da campanha no segundo turno, ao qual ela passou com 20,58% dos votos, contra 23,97% da deputada Marília Arraes (Solidariedade), que conta com o apoio de Lula e do PSB, até então hegemônico no estado.
De volta à ativa no início desta semana, Raquel foi a uma reunião com aliados para tomar pé dos rumos e dos próximos passos da campanha, conduzida em sua ausência pela candidata a vice, a deputada estadual Priscila Krause (Cidadania). Na sequência, falou a empresários em um evento e participou de uma gravação rodeada de crianças e dos dois filhos em Caruaru. Na quarta 12, numa live, lembrou o marido e, usando o mote de “mudança” da campanha, disse ser a candidata mais preparada para se tornar a primeira governadora de Pernambuco e trabalhar “incansavelmente” pelo estado, sem tomar partido na polarizada eleição presidencial. No dia seguinte, cancelou a agenda para acompanhar o filho João, de 12 anos, que passou por uma cirurgia de emergência para retirada do apêndice.
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Com pouco tempo no horário eleitoral, Raquel Lyra largou na corrida em Pernambuco como zebra. Sua propaganda ressaltou os dois mandatos da tucana como prefeita de Caruaru e sua carreira como delegada da Polícia Federal e procuradora do Estado. Com o diagnóstico de que o eleitor busca mudanças ante a má avaliação do governador Paulo Câmara (PSB), a campanha de Raquel deve explorar ainda mais a adesão da sigla dele a Marília. “Não dá para falar em mudança e estar junto de Paulo Câmara”, criticou durante sua live Raquel Lyra.
O esforço de Marília para reverter a vantagem de Raquel inclui reconciliação com o petismo, uma bandeira branca estendida a parte de sua família e forte associação a Lula. “O cenário virou e vai ser uma nova eleição”, diz Marília, que deixou o PT em março, sem espaço para ser candidata. Com o aval de Lula, a legenda anunciou nesta semana que caminhará com ela. O PSB endossou a decisão em uma nota, sem citar o nome da candidata (“defendemos a candidatura apoiada pelo presidente Lula”).
O histórico recente de Marília com o PSB não é, de fato, dos mais amistosos: em 2020, ela disputou a prefeitura do Recife — e perdeu — contra o próprio primo, João Campos (PSB), e costuma fazer críticas a Paulo Câmara, a quem se coloca como oposição. Nas conversas com o PSB, a deputada ressaltou que precisa do apoio da legenda, mas pontuou que não vai mudar de posição sobre a gestão estadual. Além dos partidos de sua coligação (PSD, Avante, Agir, e PMN) e das siglas que estão com Lula, Marília tem o apoio de Republicanos, PMB, PDT e União Brasil. A candidata agora busca mais alianças para superar Raquel Lyra, cuja liderança nas pesquisas é atribuída por aliados de Marília à comoção pela recente tragédia familiar.
Enquanto Marília se agarra a Lula e nacionaliza a disputa, Raquel não vai declarar voto a presidente. Diante do antagonismo com uma candidata apoiada pelo PT, no entanto, começaram a pipocar fake news ligando-a a Jair Bolsonaro — que tem apenas 25% de intenções de voto em Pernambuco, contra 68% de Lula, segundo o Ipec. Em uma das mentiras, uma montagem coloca a tucana ao lado do presidente e sinaliza que ela participaria de uma agenda de campanha dele. “O debate nacional só interessa a candidatos a governo que não têm trajetória, não têm entregas e precisam de muletas porque não conseguem discutir os problemas do estado”, diz Raquel. A candidata, a propósito, é uma das esperanças do PSDB para atenuar um desempenho eleitoral pífio em 2022, que inclui a perda do governo de São Paulo. Não por acaso, sua campanha tem sido um dos principais focos do presidente do PSDB, o pernambucano Bruno Araújo.
Por outro lado, a esquerda, que domina o Nordeste há anos, tem Pernambuco como um dos seus maiores desafios neste pleito. Além de trabalhar pela eleição da candidata ex-petista e evitar que o segundo maior colégio eleitoral nordestino dê uma vitória ao PSDB, o PT quer aumentar a votação de Lula em seu estado natal: o ex-presidente espera atingir 70% das preferências no estado. “Tivemos algumas discordâncias com a saída de Marília, mas o que está em jogo agora é algo muito maior. Sabemos da importância de ter uma candidatura alinhada a Lula”, afirma o deputado Doriel Barros, presidente do PT local. A disputa arretada de Pernambuco promete ainda muitas emoções até 30 de outubro.
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