As queimadas na região que é hoje um dos principais arcos de devastação da Amazônia, cujos governadores reeleitos são bolsonaristas e onde Jair Bolsonaro (PL) obteve ampla votação, tiveram um aumento expressivo e sem precedentes nos dias que se sucederam à derrota do presidente nas urnas.
Dados de satélite do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) registraram 3.332 focos de calor entre os dias 1º e 16 de novembro no Amazonas, no Acre e em Rondônia, região conhecida como Amacro. No mesmo período em 2021, foram 253 incêndios nos três estados. O aumento foi de 1.216%.
A evolução das queimadas nos últimos dez anos, levando-se em conta a primeira metade do mês de novembro, mostra que os picos de incêndio e os aumentos da sua incidência são sem precedência.
Novembro é um mês em que já não se registram tantas queimadas na Amazônia, em razão do começo do período mais chuvoso. Os meses que concentram incêndios são setembro e outubro.
A realidade na Amacro subverte essa lógica. Em Rondônia e no Acre houve mais queimadas em novembro do que em outubro, levando-se em conta o mesmo período de 16 dias.
Na primeira metade de novembro, satélites do Inpe detectaram 1.602 focos de calor em Rondônia. No mesmo período no ano passado, foram apenas 84.
Esses incêndios se concentraram principalmente na região de Porto Velho e Nova Mamoré, com 457 focos de calor, segundo o monitoramento do Programa Queimadas.
Em Rondônia, Bolsonaro obteve mais de 70% dos votos válidos no segundo turno da eleição. O governador, Marcos Rocha (União), é bolsonarista e foi reeleito. Rocha esteve alinhado ao presidente desde o início da gestão, inclusive na adoção de uma política ambiental que flexibiliza fiscalização e licenciamento.
Bolsonaro também obteve no segundo turno mais de 70% dos votos válidos no Acre, cujo governador reeleito, Gladson Cameli (PP), é bolsonarista. No estado, em 16 dias de novembro, houve 897 focos de calor, conforme os dados do Inpe. No ano passado, levando em conta o mesmo recorte de tempo, foram apenas 7. Os incêndios se concentraram em Sena Madureira.
O terceiro governador bolsonarista da Amacro é Wilson Lima (União), reeleito em segundo turno. O desmatamento e as queimadas se concentram no sul do estado, que é a região que integra o arco de devastação. Os satélites detectaram 833 focos de calor de 1º a 16 de novembro, ante 162 no mesmo período no ano passado, com predominância em Lábrea.
Questionados pela Folha sobre o aumento expressivo das queimadas, os governos de Rondônia e Amazonas, os ministérios da Justiça e do Meio Ambiente e o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) não responderam.
Em nota, o presidente do Imac (Instituto de Meio Ambiente do Acre), Nelson Sales, disse que novembro tem sido atípico em 2022. “O período de seca no sul da Amazônia se prolongou. Nos municípios do Acre choveu menos de um quarto do esperado para todo o mês. A estiagem fora de época proporcionou o aumento dos focos de queimadas, usadas culturalmente para limpeza das áreas rurais.”
O governo combate os ilícitos ambientais, segundo Sales, com mais de R$ 13 milhões em multas aplicadas até outubro e apreensões de madeira e caminhões. “O estado faz orientação técnica para o produtor rural de forma a levar ao homem do campo técnicas de cultivo e criação que diminuam o impacto e promovam o uso racional de nossos recursos”, afirmou o presidente do Imac.
O Pará segue na liderança de queimadas na Amazônia, com 2.968 focos na primeira metade de novembro, mas houve queda em relação ao outubro e números bem mais expressivos em outros anos.
Os governos dos estados da Amazônia Legal estiveram presentes na COP27, a conferência do clima da ONU, em Sharm el-Sheikh, no Egito. No evento, buscaram recursos internacionais atrelados a redução de desmatamento e emissões.
A diretora de Ciência do Ipam (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia), Ane Alencar, afirma ter notado o aumento desproporcional dos focos de calor, principalmente nos dez primeiros dias pós-eleição, no sudoeste da Amazônia.
Os incêndios confirmam o aumento de desmatamento detectado a partir de agosto nos alertas de devastação do Inpe, aponta Alencar.
“Ainda há um mês e meio até o governo virar. Parte dos criminosos ambientais está aproveitando a continuidade da ausência do governo federal e de suas instituições que atuam no combate ao ilícito ambiental. E os governos locais na região seguem de olhos fechados”, afirma a diretora do Ipam.
UOL