Um trio de pesquisadores indianos viajou até a Antártica para colocar alguns pinguins de frente para um espelho. De várias maneiras, um por vez. Primeiro, o animal era rodeado por uma cerca de papelão; depois, um adesivo era colado na superfície do espelho, o que cobria o reflexo de suas cabeças e a parte superior do corpo. Por último, os cientistas vestiram os animais com babadores antes que eles encarassem a si mesmos.
Tudo isso pode parecer estranho, mas testes desse tipo aparecem há cinquenta anos em estudos sobre comportamento e cognição animal. A ideia do trio de pesquisadores era procurar evidências de autoconsciência nos pinguins-de-adélia, tentando descobrir se as aves reconheciam a si mesmas no espelho. Deve-se avaliar como os animais reagem ao próprio reflexo, se parecem enxergar ali um pinguim estranho ou não.
Às vezes, os pinguins passavam um tempo encarando o espelho e pareciam examinar a si mesmos. No entanto, eles não prestaram atenção nos babadores em seus reflexos. É um sinal vermelho: “Isso sugere que [as aves] não conectam suas imagens no espelho consigo mesmas”, disse o primatólogo Frans de Waal, da Emory University (EUA), à New Scientist.
É que o reconhecimento de um elemento estranho no próprio reflexo (no caso dos pinguins, os babadores) é uma parte central do “teste do espelho”, criado na década de 1970 por Gordon Gallup, psicólogo evolutivo da State University of New York, Albany (EUA). Entenda abaixo como ele funciona – e quais são os animais que passam no teste.
Em 1970, Gallup mostrou um espelho para quatro chimpanzés, um de cada vez. Ele percebeu que, depois que os animais se acostumaram com o objeto, passaram a usá-lo para tirar comida presa nos dentes ou examinar as genitais. Então, o pesquisador pintou uma mancha vermelha no meio das sobrancelhas dos chimpanzés enquanto eles estavam anestesiados. De frente para o espelho, eles estranharam seus reflexos e tocaram na testa.
Essa é, tradicionalmente, a proposta do teste: marcar, de alguma forma, parte do rosto do animal em questão, de modo que ele só perceba o elemento incomum ao olhar para seu reflexo. Pesquisadores já tingiram o pelo branco de macacos com cores exóticas, por exemplo, ou injetaram um gel marrom (e inofensivo) sob a pele de peixinhos. Feito isso, é hora de verificar se o animal percebe e investiga a tal marca quando está de frente para o espelho.
Segundo Gallup, o teste do espelho indica autoconsciência – ou “a habilidade de se tornar o objeto de sua própria atenção”. A ideia é que, se um animal pode identificar sua própria imagem no espelho, também é capaz de diferenciar outros seres de si próprio, reconhecer que os outros também têm suas próprias percepções e até se colocar no lugar do outro.
Quem passa no teste
Talvez você não se dê conta do quão complexas são essas habilidades. Estas são capacidades cognitivas reconhecidamente sofisticadas. Os humanos só passam a se reconhecer no espelho, dando indícios de autoconsciência, aos 18 meses, em média. Para Gallup, só três espécies definitivamente passam no teste que ele criou: nós, os chimpanzés e orangotangos. Segundo Diana Reiss, psicóloga cognitiva no Hunter College (EUA), os bonobos, gorilas, elefantes asiáticos e a pega (pássaro da família dos corvos) também se reconhecem no espelho.
É que os estudos na área podem adotar métodos diferentes – e cientistas podem, naturalmente, apresentar interpretações distintas sobre os mesmos resultados. Tome de exemplo os peixinhos que citamos acima, marcados com um gel marrom. Neste experimento, eles tentaram se livrar das manchas ao percebê-las no reflexo de um espelho e exibiram outros comportamentos incomuns – como nadar de cabeça para baixo de frente para o objeto. A equipe envolvida, então, afirmou que os animais reconheciam sua própria imagem.
Mas um punhado de cientistas, como de Waal e Reiss, permaneceram céticos sobre essas interpretações e afirmaram que não havia evidências suficientes para dizer que os peixes passaram no teste. Por vários motivos: os peixinhos também adotaram os tais comportamentos estranhos quando não estavam encarando seus reflexos, por exemplo, e as manchas marrons poderiam parecer um parasita – em vez de uma marca artificial, indicada para o teste.
“Na maioria das vezes, as interpretações oferecidas [por estudos que utilizam o teste do espelho] são baseadas em impressões e intuições”, disse Gallup. Para ele, este é também o caso do experimento com pinguins que citamos acima – embora ele reconheça que os pinguins podem de fato apresentar autoconsciência. Mas seriam necessárias mais evidências para tal afirmação.
Alguns pesquisadores acreditam que estas dificuldades estão relacionadas a limitações do próprio teste. O experimento se baseia na visão, que pode ser mais aguçada em alguns animais do que outros – perceba como seu cachorro, por exemplo, não é nenhum ás do autorreconhecimento no espelho. Aplicar o teste aos peixes também pode trazer resultados mais difíceis de se interpretar – eles não têm mãos como os primatas para investigar um elemento estranho em seu reflexo.
Mas estas são questões complexas que geram discussão entre pesquisadores. Uma coisa é certa: o teste do espelho, usado há cinquenta anos, ajuda os cientistas a desbravarem a cognição animal – assim como os estudos que geram resultados ambíguos, como o do trio indiano.
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