Em um discurso feito na quinta-feira (29/10), ele procurou justificar a invasão da Ucrânia pela Rússia, uma medida que deixou o país que ele comanda isolado do resto do mundo.
Putin também acusou os opositores e críticos da guerra de chantagem nuclear contra a Rússia para forçar aliados a se afastarem de Moscou.
Países da América do Norte e da Europa denunciaram recentes ameaças nucleares veladas do Kremlin.
No início desta semana, a aliança militar da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) condenou as alegações infundadas da Rússia de que a Ucrânia poderia usar uma “bomba suja” — explosivos convencionais misturados com material radioativo.
O secretário-geral da Otan, Jens Stoltenberg, disse que os membros da aliança “rejeitam essa alegação” e que “a Rússia não deve usá-la como pretexto para uma escalada” militar.
O presidente Putin falou no fórum anual do grupo Valdai após uma série de recentes derrotas na Ucrânia e a crescente indignação pública por uma campanha para mobilizar cerca de 300 mil russos para o esforço de guerra.
No dia anterior ao discurso, ele havia supervisionado exercícios militares de rotina que envolviam um suposto contra-ataque nuclear em retaliação a uma agressão do mesmo nível vinda de um inimigo. “Nós nunca dissemos nada sobre o possível uso de armas nucleares pela Rússia. Apenas respondemos com sugestões aos comentários feitos pelos líderes dos países ocidentais”, afirmou à audiência.
O presidente Putin lembrou da ex-primeira-ministra britânica Liz Truss, que teria sugerido durante um evento de campanha em agosto que ela estaria pronta para pressionar o botão nuclear se as circunstâncias exigissem isso. Ele disse que estava surpreso que os aliados do Reino Unido não se opusessem: “O que deveríamos fazer? Ficar em silêncio? Fingir que não ouvimos?”, questionou.
No entanto, ele mesmo advertiu repetidamente que a Rússia usaria “todos os meios disponíveis” para se proteger, no que tem sido amplamente interpretado como uma clara ameaça nuclear.
O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, acusou o líder russo de se envolver em uma retórica “muito perigosa” em torno do uso potencial de armas nucleares.
“Por que ele está falando sobre a capacidade de usar armas nucleares táticas?”, perguntou Biden durante uma entrevista coletiva nos EUA. “Se ele não tem intenção, por que continua falando sobre isso?”, complementou.
Ao longo do discurso mais recente, Putin repetiu os ataques aos países opositores e ao que chamou de “jogo perigoso, sangrento e sujo” de negar aos países a soberania e a singularidade. O “domínio indivisível do Ocidente” sobre os assuntos mundiais está chegando ao fim, afirmou.
“Estamos em uma fronteira histórica. Temos à frente provavelmente a década mais perigosa, imprevisível e, ao mesmo tempo, importante desde o fim da Segunda Guerra Mundial.”
Nas palavras do presidente russo, os países europeus e norte-americanos não são mais capazes de seguir no comando — mas estão “tentando desesperadamente” fazê-lo.
Ele disse que uma “ordem mundial futura está se formando diante de nossos olhos” e acusou as nações que estão hoje na liderança global, como os Estados Unidos, de tentar destruir a Rússia.
No mundo de Putin, não existem arrependimentos
Análise de Steve Rosenberg, editor da BBC News na Rússia
O que vimos e ouvimos no mais recente discurso foi a visão de mundo segundo Vladimir Putin. É um mundo em que a Rússia está completamente limpa e os países ocidentais são culpados por tudo, desde a guerra na Ucrânia até a crise alimentar global.
Vimos um líder do Kremlin que não tem absolutamente nenhum arrependimento pelo que fez — ou pelo menos não está preparado para expressá-lo publicamente, caso exista.
E, assim, Putin pintou uma realidade paralela do que está acontecendo. Ele culpou outros países por “incendiar” a guerra na Ucrânia e insistiu que a nova ordem mundial deve ser baseada em “lei e justiça” — isso vindo de um presidente que, há oito meses, lançou uma invasão em grande escala de uma nação soberana e independente.
O presidente russo também alegou que a Rússia foi injustamente acusada de ameaçar o uso de bombas nucleares. No entanto, desde fevereiro, ele deu várias insinuações nada sutis de que estaria preparado para usar todas as armas que tem no arsenal neste conflito.
Para mim, talvez o comentário mais revelador do discurso tenha sido sobre as “perdas” que Putin admitiu ter sofrido na tal “operação militar especial”.
“Estou sempre pensando nas vidas perdidas”, afirmou. Mas isso foi tudo o que disse sobre o tema, antes de passar rapidamente para os “enormes benefícios” que a Rússia, na visão dele, obteve, incluindo “o fortalecimento da soberania”.
Nenhum sinal de remorso ou arrependimento. Nenhum sinal de qualquer mudança de rumo.
BBC