Mesmo que percam seus postos e patentes em eventual decisão do STM (Superior Tribunal Militar), o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e os demais militares condenados na trama golpista seguirão recebendo pensões que, somadas, chegam a R$ 2 milhões por ano.
O que aconteceu
Direito passa às esposas e filhas menores de idade e solteiras. “Mas isso só em caso de confirmação da perda das patentes. Até lá, eles recebem normalmente”, explica o jurista e colunista do UOL Wálter Maierovitch.
O general Augusto Heleno, 78, é o que tem o maior valor de aposentadoria. Entre os cinco militares reformados ou na reserva que tiveram suas condenações transitadas em julgado ontem, ele recebe atualmente R$ 38,1 mil por mês. O ministro do STF Alexandre de Moraes determinou que o general cumpra pena no Comando Militar do Planalto, em Brasília.
Com a menor patente do grupo, a de capitão reformado, Bolsonaro é o que recebe menos. Caso perca a patente, o soldo de R$ 12.861,61 mensais passará à mulher, Michelle Bolsonaro (PL), e à filha Laura, de 15 anos. Mas isso diz respeito apenas à aposentadoria militar. Como ex-deputado, ele ainda tem direito a uma remuneração fixa de R$ 30.265, que não vai perder.
A Câmara dos Deputados informou que o pagamento está previsto em duas legislações. “Não há decisão judicial contestando a concessão da aposentadoria”, diz nota enviada pela Casa ao UOL. Bolsonaro também recebe hoje um salário de cerca de R$ 40 mil do PL por ser presidente de honra do partido.
Veja os valores*
- Augusto Heleno (general da reserva): R$ 38.144,69
- Almir Garnier Santos (almirante da reserva): R$ 37.585,59
- Paulo Sergio Nogueira (general da reserva): R$ 36.881,74
- Walter Souza Braga Netto (general da reserva): R$ 36.881,74
- Jair Bolsonaro (capitão reformado): R$ 12.861,61*Todos recebem ainda gratificação natalina, de 50% do valor mensal
Entre os militares do chamado núcleo 1, há dúvida sobre o caso de Almir Garnier Santos. O almirante deixou o posto na Marinha em 2023. Na avaliação do professor Fernando Capano, da Universidade Zumbi dos Palmares, “os militares com vínculo ativo no período dos crimes não receberão nada, nem suas famílias, a não ser que se faça a compensação de regimes —do regime próprio para o regime geral, do INSS”.
O advogado João Carlos Campanini acredita que haverá discussão jurídica sobre a situação de Garnier, em função do direito adquirido. “Há quem entenda que, mesmo tendo cometido crime na ativa, o almirante não pode ter o direito cassado porque contribuiu com o regime de previdência militar”, afirma o especialista em direito militar.
STM diz que não decide sobre “questões previdenciárias”. O Superior Tribunal Militar ressalta que não responde sobre o tema, “embora eventuais perdas de posto e patente possam repercutir sobre elas”.
TCU julgou contra tese da “morte ficta”
Em agosto, o Tribunal de Contas da União definiu o direito à pensão por morte ficta. O conceito se refere a militares expulsos que são considerados mortos para que familiares garantam suas pensões. A ideia é equiparar esse agente a um militar falecido. O TCU determinou que o conceito não pode ser mais utilizado em casos de expulsão das Forças Armadas.
Agora, a morte real é requisito indispensável para ter direito à pensão militar. O STM afirmou conhecer o acórdão do TCU, mas ressaltou que as instituições indicadas para colocar as mudanças em prática são o Congresso Nacional e a Presidência da República, por meio da Casa Civil e ministérios da Defesa e da Previdência. A reportagem tentou contato por email com o governo federal, mas não teve retorno. Em caso de manifestação, o texto será atualizado.
Na prática, a mudança só valerá para militares na ativa, diz Capano. “Penso que os militares condenados pelo STF continuarão a receber a pensão, pois, a rigor, ela não pode ser cassada. Mas não mais em razão da morte ficta”, explica.
Uma legislação de 1960 assegurou o direito ao recebimento da pensão. A lei 3.765 garante que, mesmo militares condenados por crimes como homicídio ou tráfico de drogas, podem manter seus vencimentos em família. Somente em 2022, segundo levantamento do UOL, mais de R$ 23 milhões foram pagos pelas Forças Armadas em pensões a famílias de militares expulsos, com pensões mensais entre R$ 1.500 e R$ 33,4 mil brutos.
Local de prisão pode mudar se patentes caírem
Moraes rejeitou ontem os embargos apresentados pelas defesas dos condenados do núcleo 1. O ministro determinou o início do cumprimento de todas as penas. As exceções são o deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ), que fugiu para os Estados Unidos, e o tenente-coronel Mauro Cid, que cumpre pena em regime aberto desde outubro. Os demais foram presos na tarde de ontem, em Brasília.
Em função de suas patentes, os militares cumprem pena em unidades das Forças Armadas. A condição pode ser alterada caso Bolsonaro e os demais condenados percam seus postos por decisão do STM.
A ação chega no tribunal após o Ministério Público Militar protocolar uma ação. A representação é chamada de “incompatibilidade e indignidade para o oficialato”. O processo é individualizado e, ao chegar no STM, um ministro é sorteado para ser o relator. A expectativa é que esse processo comece apenas em 2026, já que o recesso judiciário começa no dia 20 de dezembro.
UOL










