A escalada da guerra comercial entre Estados Unidos e China — após o presidente americano Donald Trump anunciar novas tarifas, e os chineses responderem com retaliações — aumentou o temor de uma recessão global e pode influenciar a próxima reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), responsável por decidir a taxa básica de juros no Brasil, a Selic.
Analistas afirmam que, com a possibilidade de a economia mundial crescer menos e os preços caírem no exterior, o Banco Central (BC) pode decidir encerrar o atual ciclo de alta de juros já na reunião de maio. Antes desse novo conflito, o mercado acreditava que a Selic subiria para 15% ao ano, ou até mais.
Agora, já há previsões apontando para menos de 15% no fim do ciclo. Na última reunião, a taxa foi elevada em um ponto percentual, para 14,25%, e o Banco Central sinalizou que poderia fazer uma alta adicional de menor intensidade.
Risco de recessão global
O JPMorgan passou a projetar apenas mais uma alta da Taxa Selic neste ciclo, de 0,5 ponto, na reunião de maio. Além disso, a instituição antecipou em seu cenário-base o início do ciclo de flexibilização monetária para a reunião de novembro do Copom, com a Selic fechando o ano em 13,75%, contra 15,25% na projeção anterior. Ao fim de 2026, a previsão para a Selic foi cortada de 12,5% para 9,75%.
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A combinação de juros em queda em outros países, risco de recessão global e estímulos ainda ativos no Brasil (como programas de crédito e incentivos fiscais) pode levar o Copom a fazer uma pausa para observar os efeitos das medidas que já foram tomadas até aqui.
Para a economista-chefe do Banco Inter, Rafaela Vitoria, o cenário mais provável ainda é de uma alta dos juros em maio, encerrando o ciclo em 14,75% ao ano. No entanto, ela reconhece que, se a desaceleração econômica se confirmar e os preços das commodities seguirem em queda, o Banco Central pode decidir parar já agora.
— O início do ciclo de cortes vai depender de uma evidência maior de desinflação que também se reflita em queda das expectativas. Isso já é parcialmente observado nas taxas implícitas da curva de juros (negociações de juros futuros), mas ainda não foi capturado na pesquisa Focus (pesquisa do BC junto ao mercado) — destaca Vitoria.
Segundo ela, uma redução dos juros mais à frente depende de uma queda mais consistente da inflação, especialmente no setor de serviços, e de uma melhora nas expectativas do mercado, que ainda não aparecem nos dados.
— Com o cenário de maior aversão a risco e nova fraqueza das moedas emergentes, o BC deverá ser cauteloso ao iniciar o ciclo de afrouxamento, pois mesmo com o cenário de queda da atividade ainda podemos ter inflação alta no curto prazo — afirma.
Inflação ainda é desafio
Por outro lado, a inflação doméstica ainda é um desafio para o corte de juros. Dados divulgados ontem pelo IBGE apontam que o IPCA, índice oficial do país, fechou em alta de 0,56% em março. No acumulado em 12 meses, a inflação registra um avanço de 5,48%.
Para economistas da G5 Partners, esse dado torna difícil esperar algum refresco na política monetária, mesmo com as confusões externas. A casa projeta uma Selic de 15,50%, mas com viés de baixa devido a uma possível desaceleração da economia mundial.
Alexandre Chaia, economista e professor do Insper, destaca que se os próximos sinais da economia mundial confirmarem uma desaceleração mais forte — com queda nos preços de produtos básicos — o BC pode decidir interromper a alta dos juros, entendendo que os riscos de inflação estão diminuindo.
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Mais adiante, se a inflação der sinais claros de que está realmente voltando para o centro da meta estabelecida, existe a possibilidade de o BC iniciar um novo ciclo: o de corte de juros, para ajudar a estimular a economia de forma gradual e segura.
— Nessa situação, dado esse grau de incerteza do que o Banco Central pode fazer, não parar o ciclo de aceleração dos juros, mas talvez colocar uma pausa nele. Esperando os próximos movimentos — afirmou Chaia.
Para ele, o BC deve evitar mudanças bruscas e, mesmo com cenário de retração no mundo, é preciso ter cautela antes de começar um ciclo de redução de juros:
— Tanto o Banco Central do Brasil e os bancos centrais do mundo estão falando em preocupação com a desaceleração, mas ninguém está falando “vou reduzir agora o ciclo de juros”. Até porque ninguém sabe aonde vai chegar esse cenário.
Ontem, o Banco Central divulgou o IBC-BR de fevereiro, considerado uma “prévia do PIB”. O índice subiu 0,4%. Foi o segundo mês de alta: em janeiro a expansão foi de 0,9%.
Impacto em minerais
Com a perspectiva de uma economia global mais fraca, setores como o de extração mineral no Brasil, que depende muito da exportação de petróleo, minério e soja, estão entre os mais vulneráveis.
No Relatório de Política Monetária, publicado no fim de março, o BC avaliou que o novo ambiente global pode afetar os preços no Brasil de formas diferentes. Se a crise provocar uma valorização do dólar no mundo e um aumento do medo dos investidores, o real pode se desvalorizar — e isso encarece produtos importados, pressionando a inflação.
Por outro lado, se a economia global desacelerar de fato, os juros nos EUA devem cair, e os preços das commodities, como petróleo, minério e soja, também tendem a baixar. Isso poderia aliviar a inflação.
O Globo