Os Estados Unidos esperam que o governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tenha uma diplomacia ativa e se envolva na questão da Venezuela para “melhorar as condições da democracia” no país, diz à Folha de S.Paulo Ricardo Zúniga, um dos principais formuladores de políticas para o Brasil dentro da gestão de Joe Biden.
As expectativas para o novo governo
Uma coisa que deixamos claro não só durante esse intenso período de campanha no Brasil, mas ao longo de décadas, é que temos uma relação com o Brasil, não com um governo em particular. Nossa percepção é que existem muitos interesses contínuos que veremos aparecer novamente no próximo governo. O Brasil é um ator global, esperamos ver uma agenda global muito ativa por parte deste governo.
A mais óbvia é a questão do clima, mas não a única, também segurança alimentar, paz internacional e uma política externa ativa nas Nações Unidas e nas organizações multilaterais. É algo que vimos no passado e com o qual estamos ansiosos para trabalhar.
[Sobre uma possível nova operação da ONU no Haiti] estamos fazendo consultas ao Brasil devido a sua experiência na Minustah. Acreditamos que há um papel importante para a comunidade internacional nesse momento com algum tipo de apoio multinacional pela segurança do Haiti. O Brasil certamente tem um forte interesse em ver a melhoria das condições na região.
A situação na Venezuela e a proximidade de Lula com Maduro
Outra área que acreditamos que o Brasil tem um forte interesse é melhorar as condições da democracia na Venezuela. Como parte da comunidade internacional, estamos muito focados em ver eleições livres e justas que levem a um governo com o qual toda a comunidade internacional possa trabalhar.
O Brasil também tem interesse nisso; 6,5 milhões de venezuelanos tiveram que deixar o país, há mineração ilegal na fronteira, o que afeta o meio ambiente do Brasil e traz outras atividades ilegais. Temos um interesse em comum e acredito que será importante trabalharmos juntos com o objetivo de uma Venezuela democrática e estável.
Não acredito que exista alguém em algum país democrático da América do Sul que acredite que a Venezuela represente uma sociedade bem-sucedida hoje. Uma Venezuela democrática tem mais chances de ser uma Venezuela bem-sucedida. Acreditamos que há uma sobreposição de interesses pela eleição de uma autoridade legítima em Caracas.
As relações do petista com a China
Não é nossa política dizer aos países com quem devem ter boas ou más relações nem como deveriam lidar com a China. Todos os países têm interesses. Nosso objetivo não é o conflito, mas, em vez disso, ajudar a criar uma situação onde a China apoie a ordem mundial baseada em regras.
Mas quando falamos desse relacionamento entre EUA e Brasil, falamos de duas nações, não de governos. O Brasil é importante para os EUA porque é uma grande democracia, porque a maioria dos brasileiros quer o mesmo tipo de mundo que a maioria dos americanos, onde há liberdade, onde as pessoas podem viver em comunidades seguras, onde possam escolher suas próprias vidas. Em um mundo de autoritarismo em ascensão na maior parte do planeta, ter um parceiro como Brasil é muito importante para os EUA.
As relações EUA-Brasil sob Bolsonaro e a mudança de governo
Somos duas democracias muito complexas, às vezes turbulentas, mas temos alto nível de interesse em comum. Fizemos progressos em muitas áreas, na parte econômica, questões de segurança e na segurança alimentar. Conseguíamos lidar também nas áreas onde não tínhamos as mesmas opiniões, porque temos alto nível de profissionalismo entre diplomatas dos dois lados para lidar com diferenças.
Biden e Bolsonaro tiveram um encontro muito positivo em Los Angeles em junho. Ao longo da eleição, um ponto que deixamos muito, muito claro é que os EUA seriam neutros independentemente do resultado e que estávamos muito confiantes no sistema eleitoral brasileiro, que produziria um resultado justo e preciso do desejo do povo brasileiro. A eleição demonstrou mais uma vez o profissionalismo e a capacidade da democracia brasileira, o que, no mundo de hoje, não é pouca coisa.
Estávamos prontos para trabalhar com qualquer líder que o povo brasileiro escolhesse. Neste caso, é um líder com quem já havíamos trabalhado antes, o que certamente acreditamos que contribuirá para nossa habilidade de trabalhar de maneira produtiva.
Os atos antidemocráticos no Brasil
Rejeitamos o uso da violência política em quaisquer circunstâncias. Acreditamos firmemente que haverá uma transferência de poder no Brasil de forma ordinária e acreditamos que as instituições brasileiras têm plena capacidade de administrar até mesmo uma situação de conflito como essa.
Isso não é algo estranho aos EUA, é claro que experimentamos nossa própria violência durante uma transição [a invasão do Capitólio em 2021]. A transição deve ocorrer de acordo com a vontade do povo e de acordo com as instituições brasileiras. Estamos muito confiantes de que o Brasil vai conseguir isso.
Trabalhamos em estreita colaboração com as autoridades brasileiras para garantir esses voos da forma mais humana possível. São voos muito longos e nossa experiência mostrou que é mais importante preservar a segurança de todos nesses aviões.
O financiamento para preservação da Amazônia
Clima e aquecimento global são áreas nas quais esperamos negociações e discussões muito ativas com o governo brasileiro, que esperamos que será um líder em nível global. Sempre esperamos explorar soluções criativas, que possam realmente produzir resultados muito claros em termos de combate ao desmatamento e de promoção da sustentabilidade.
A posse de Lula A delegação americana ainda está em deliberação. O que veremos é uma grande interação entre nós e a nova equipe, de alto nível, praticamente de imediato. E já houve. [O conselheiro de Segurança Nacional da Casa Branca] Jake Sullivan não pega um avião para ir a todos os novos governos em qualquer lugar, é por causa da natureza desse relacionamento. O Brasil também foi o primeiro país que Sullivan visitou, no governo Bolsonaro. Isso faz parte de um relacionamento contínuo.
Raio-X
Ricardo Zúniga, 52
Vice-secretário assistente para Hemisfério Ocidental no Departamento de Estado dos EUA, é um dos principais responsáveis pela formulação de políticas para o Brasil no governo Biden. Foi cônsul em São Paulo de 2015 a 2018. Antes disso, foi diretor sênior de Hemisfério Ocidental no Conselho de Segurança Nacional no governo Obama, quando foi um dos responsáveis pela aproximação dos EUA com Cuba. Nasceu em Tegucigalpa, em Honduras, e estudou relações internacionais e estudos latino-americanos na Universidade da Virgínia.
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