O governo do presidente da Argentina, Javier Milei, vive dias de forte tensão, em meio a um clima de preocupação por sinais negativos em matéria econômica e faltando poucos dias para a eleição legislativa de 7 de setembro na província de Buenos Aires — onde vive um terço do eleitorado nacional —, e menos de três meses para as Legislativas nacionais, de 26 de outubro.
O vazamento de áudios sobre um suposto esquema de subornos na Agência Nacional de Deficiência (Andis, na sigla em espanhol) envolvendo a secretária-geral da Presidência, Karina Milei, irmã do chefe de Estado, provocou uma verdadeira tsunami política, com impacto negativo no mercado (a bolsa caiu e o dólar subiu) e, segundo analistas locais, um potencial custo político nas urnas.
Ontem, veículos de imprensa locais divulgaram novos áudios do ex-diretor da Andis, Diego Spagnuolo, até pouco tempo muito próximo de Milei, nos quais o ex-funcionário faz revelações sobre uma denúncia que já está sendo investigada pela Justiça. Paralelamente, Karina poderá ser convocada para dar explicações sobre o escândalo no Senado, onde o partido de Milei, A Liberdade Avança (LLA, na sigla em espanhol), não tem sequer uma cadeira.
Escudo legislativo
O Parlamento se tornou um ambiente hostil para o governo, que nas últimas semanas sofreu 12 derrotas consecutivas na Câmara. Com esse pano de fundo, o resultado das legislativas de setembro e outubro se tornou ainda mais importante para o presidente, que mantém um índice de popularidade entre 42% e 45%, segundo pesquisas locais, principalmente graças às suas conquistas econômicas. A mais importante delas continua sendo a redução expressiva da inflação, que chegou a 25% mensal em dezembro de 2023, mês em que Milei foi empossado, e fechou em 1,9% em julho passado.
— O problema deste escândalo é que ele coincide com um momento de ruptura das expectativas econômicas. A economia não está crescendo como se esperava, as taxas de juros estão altíssimas e os salários ainda não estão acompanhando a inflação — explica o analista Ignacio Labaqui, professor da Universidade Católica Argentina (UCA). — Em matéria política, falta muita habilidade.
Tudo isso tem gerado ruído entre economistas e investidores, que duvidam da sustentabilidade de Milei no médio prazo. O resultado da eleição será crucial para entender se o presidente argentino tem, de fato, força para avançar com seu programa de governo em reformas mais profundas e para pensar numa reeleição em 2027.
O que seria um resultado eleitoral bem-sucedido para o chefe de Estado? Conquistar, pelo menos, um terço da Câmara, que tem 257 cadeiras. Hoje, o LLA tem 39 deputados, e tentará renovar 8 nas próximas eleições. Milei precisa ter, no mínimo, 86 deputados para formar o que os analistas argentinos chamam de escudo legislativo, necessário para barrar, por exemplo, um pedido de impeachment.
— Quando escândalos de corrupção ocorrem em meio a um boom de consumo, os governos não são afetados. Mas, neste caso, temos uma sociedade queixosa sobre a economia. Milei foi eleito com muitos votos emprestados do centro, e esses eleitores podem estar com dúvidas — aponta Carlos Fara, diretor da Fara e Associados.
Uma delas é justamente sobre seu real compromisso com o combate à corrupção.
— Milei não fala mais em acabar com a casta; agora passou a falar em acabar com o kirchnerismo. É uma mudança importante — afirma Fara.
Para o analista, a Casa Rosada ainda está em condições de vencer a eleição, mas não com a vantagem que esperava. Ontem, a Universidade Di Tella informou que o Índice de Confiança no governo recuou quase 14%, a segunda maior queda dos últimos 20 meses. Fontes com acesso à Casa Rosada confirmam que estão sendo traçados novos cenários eleitorais menos otimistas para setembro e outubro.
O Globo