Depois de ficar próximo de ganhar as eleições presidenciais no primeiro turno, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) pareceu confiante de que sua vitória era inevitável.
Na noite daquele domingo, o ex-presidente disse que a nova rodada de votação seria “apenas uma prorrogação” e declarou: “Nós vamos ganhar”. Será mesmo?
Lula teve 57.256.053 votos, ou 48,43% dos votos válidos (quando são descontados os brancos e nulos), enquanto o presidente Jair Bolsonaro (PL) recebeu 51.070.958 votos, ou 43,20% — ou seja, a diferença entre eles foi de quase 6,19 milhões, ou 5,23% dos votos válidos.
Para ganhar, um dos candidatos precisava ter 50% dos votos válidos mais um. Como houve 118.227.018 votos válidos no primeiro turno, seriam necessários 59.113.510 para um deles se eleger.
Isso significa que Lula ficou a 1.855.395 votos de vencer no primeiro turno (1,57% dos votos válidos mais um), enquanto Bolsonaro precisaria de 8.042.233 (6,8% mais um).
Agora, eles se enfrentam em um segundo turno. Mas quantos votos são necessários para vencer exatamente?
Pode parecer a princípio uma conta simples, porque afinal bastaria ter mais da metade dos votos válidos, e sabemos quantos votos cada um recebeu na primeira votação.
Mas ela se complica porque não há garantias de que eles conseguirão manter todos os seus votos e há fatores que não se mantêm estáveis de um turno para o outro.
Um deles é a abstenção. O número de eleitores que não vão votar é determinante, porque altera a quantidade de votos que estão em disputa.
Também é preciso levar em consideração os votos brancos e nulos, que influenciam diretamente o patamar de votos válidos necessários para a vitória.
Outra incógnita é para quem irão os eleitores dos candidatos que ficaram pelo caminho, especialmente de Simone Tebet (MDB) e Ciro Gomes (PDT), que tiveram uma votação mais expressiva no primeiro turno.
Por isso, Lula e Bolsonaro vêm costurando apoios para expandir seu eleitorado, enquanto tentam roubar votos um do outro. Mas os desertores das campanhas petista e bolsonarista terão algum efeito sobre o resultado?
Para entender como todas essas variáveis podem influenciar o resultado em 30 de outubro, a BBC News Brasil levantou dados das cinco últimas eleições presidenciais, de 2002 a 2018 e os comparou com este primeiro turno.
Também foram ouvidos cientistas políticos para compreender quais fatores são mais importantes e as chances de Lula obter um terceiro mandato ou de Bolsonaro conseguir uma virada até hoje inédita em eleições presidenciais.
Abstenção maior favorece Bolsonaro (mas há um porém)
O percentual dos que não votaram no primeiro turno de 2022, de 20,95%, ou 32,77 milhões de eleitores, foi o mais alto nesta rodada de votação nas eleições presidenciais desde 2002.
Em tese, reduzir essa abstenção ao convencer esses eleitores a irem agora às urnas poderia ajudar Lula e Bolsonaro a conquistar os votos necessários para ganhar.
Mas o problema é que acontece justamente o contrário. Historicamente, o número de eleitores que não votam aumenta no segundo turno.
No período analisado, entre 2002 e 2018, a abstenção no segundo turno cresceu no mínimo 0,97 ponto porcentual, em 2018, e no máximo 3,35 pontos, em 2010.
Cientistas políticos explicam que isso acontece porque a maior parte dos que não votam no primeiro turno costumam fazer o mesmo no segundo, e outra parte dos eleitores acaba se desmotivando, porque o candidato que escolheram não passou para o segundo turno.
Ou ainda porque as eleições locais foram totalmente resolvidas na primeira votação, o que gera menos mobilização para levá-los a votar.
“Em Estados onde há segundo turno para governador, o comparecimento tende a ser 2,5 pontos percentuais maior do que nos Estados onde não há”, diz o cientista político Fernando Meireles, pesquisador do Centro de Análise e Planejamento (Cebrap).
Neste aspecto, parece haver um equilíbrio entre os dois candidatos. Nos 15 Estados onde a eleição para o governo local foi decidida no primeiro turno (e a abstenção tende a ser maior), Lula ganhou em oito e Bolsonaro, em sete. Nos outros 12 que terão uma nova votação (e mais eleitores devem votar), cada um chegou à frente em seis.
George Avelino, coordenador do Centro de Política e Economia do Setor Público da Fundação Getúlio Vargas (Cepesp-FGV) avalia que a abstenção deve aumentar entre os dois turnos, como nas eleições mais recentes.
“A abstenção aumentou nesta eleição, mas não foi tanto assim. Na verdade, podemos dizer que se estabilizou em relação ao ritmo de crescimento que vinha sendo registrado antes. Mas é difícil imaginar que não vá aumentar agora de novo”, afirma o cientista político.
Uma maior abstenção pode favorecer Bolsonaro, porque estudos apontam que ela é maior entre os eleitores de menor escolaridade e renda, que têm mais dificuldades para ir votar — e é entre essa parte da população que Lula obtém os maiores índices de apoio.
Uma pesquisa da consultoria Quaest divulgada em 13 de outubro apontou nessa direção ao indicar que, entre os que não devem votar, 45% são eleitores de Lula e 27% optariam por Bolsonaro.
“Um eleitorado mais ideológico, como é o caso dos apoiadores de Bolsonaro, tende a comparecer mais”, explica Meireles.
Mas há dois fatores que vão na contramão das pretensões do presidente. Primeiro, é comum entre eleitores de maior renda, entre os quais Bolsonaro se sai melhor nas pesquisas, aproveitar a eleição para viajar.
“Especialmente quem trabalha nos finais de semana. E esse comportamento tende a ser mais comum nas capitais”, diz Meireles. No primeiro turno, Bolsonaro ganhou em 16 capitais e Lula, em 11.
O número de abstenções também pode crescer porque a segunda votação ocorrerá entre dois feriados. A sexta-feira imediatamente anterior é Dia do Servidor Público, com ponto facultativo nas repartições, e o Dia de Finados, um feriado nacional, cai na quarta-feira seguinte.
Os analistas dizem ser difícil estabelecer qual seria o patamar de abstenção que poderia dar a vitória a Bolsonaro. “Ainda não tem dados suficientes do perfil do eleitorado para saber quem foi mais penalizado pela abstenção”, diz Meireles.
Avelino calcula que, para cada ponto percentual a mais de abstenção, Bolsonaro conseguiria tirar apenas 0,2 ponto da dianteira de Lula.
Além disso, uma maior abstenção, mesmo que ocorra mais entre os eleitores de Lula, não seria exatamente uma ótima notícia para Bolsonaro, porque ele ficou em segundo na votação passada.
“Embora Bolsonaro pudesse tirar alguns décimos com o aumento da abstenção, isso também é ruim para ele porque Bolsonaro precisa ganhar eleitores para tirar a diferença de cinco pontos para Lula, e a abstenção maior reduziria o número de eleitores disponíveis.”
Meireles avalia que, mesmo que a abstenção aumente, ela não deve ter um impacto significativo no resultado. “Para mudar o quadro, a abstenção teria que prejudicar muito mais o Lula”, afirma.
Mais votos brancos e nulos seria bom para quem?
O percentual de votos brancos e nulos neste primeiro turno foi na direção contrária à da abstenção e atingiu seu menor patamar em relação às últimas eleições presidenciais.
Foram ao todo 4,41%, quase metade do registrado há quatro anos, por exemplo.
Meireles acredita que a polarização contribuiu para isso. “O primeiro turno foi uma antecipação do segundo, com duas candidaturas muito consolidadas, tanto que as opções da terceira via desidrataram”, afirma.
O cientista político avalia que esse público pode ser mais importante para as pretensões de Lula e Bolsonaro do que os eleitores que se abstiveram. “Quem votou branco ou nulo já foi votar, então, tem um custo menor para as campanhas converterem essas pessoas em seus eleitores”, diz.
A tendência histórica é que o número de brancos e nulos caia de um turno para outro. Foi assim de 2002 a 2014, com uma redução que variou entre 1,94 e 3,3 pontos percentuais.
A exceção foi justamente em 2018, quando Bolsonaro derrotou o petista Fernando Haddad. Naquele ano, houve um aumento de 0,78 ponto percentual.
“Foi a única vez que o nulo aumentou — o branco nunca aumentou — e foi porque teve uma campanha ‘nem Bolsonaro, nem Haddad'”, diz o cientista político Alberto Carlos Almeida, sócio-diretor da empresa de pesquisa e consultoria Brasilis.
Se isso se repetir neste ano, poderia ser positivo para Lula, porque o número de votos válidos necessários para ganhar seria menor do que no primeiro turno, e isso favorece quem chegou à frente na primeira votação (caso não perca muitos votos entre turnos).
No entanto, Almeida acredita que, embora o patamar de brancos já esteja muito baixo, ele pode cair ainda mais.
“Muitos votos nulos se devem ao fato que as pessoas acabam errando na hora de votar. Agora, será uma votação mais simples, metade dos eleitores só votarão para presidente. Isso faz com que o nulo despenque.”
Em tese, uma queda de brancos e nulos seria boa para Bolsonaro, porque haveria mais eleitores disponíveis para ele conquistar para tentar anular a vantagem de Lula.
Mas esse cenário pode favorecer também Lula. “Há uma relação estreita com o perfil do eleitor, porque tem a ver com a escolaridade. Quem tem menos estudo tende a anular porque tem uma dificuldade para votar e operar a urna”, diz Meireles.
Por sua vez, Avelino acredita que há chances de o percentual de nulos e brancos se manter no mesmo patamar ou mesmo crescer um pouco, porque os eleitores dos outros candidatos podem votar para marcar posição e rejeitar tanto Lula quanto Bolsonaro.
O pesquisador diz que não será fácil para as campanhas conquistar essas pessoas. “Esse eleitor é o pior para convencer, porque ele já te rejeitou, já disse que não gosta de você.”
Para quem vão os votos de Ciro Gomes e Simone Tebet?
Simone Tebet e Ciro Gomes ficaram em terceiro e quarto lugar, respectivamente, no primeiro turno. Juntos, tiveram pouco mais de 8,5 milhões de votos, ou 7,2% dos votos válidos. Isso é mais do que a diferença de votos entre Lula e Bolsonaro.
Cientistas políticos apontam que uma virada do presidente depende de ele conquistar a grande maioria desse eleitorado. “Bolsonaro terá que conseguir quase todos esses votos, mais de 80%, é muita coisa”, diz Almeida.
Conta a favor do presidente que a tendência histórica aponta que o segundo colocado consegue geralmente ampliar mais sua votação do que o primeiro.
Foi assim com Haddad contra Bolsonaro em 2018, Aécio Neves (PSDB) contra Dilma Rousseff (PT) em 2014, com José Serra (PSDB) contra Dilma em 2010 e com Serra contra Lula em 2002 (embora a diferença aqui tenha sido a menor no período analisado).
A única exceção foi Geraldo Alckmin, então candidato do PSDB e hoje vice na chapa Lula pelo PSB. Em 2006, o ex-governador perdeu mais de 2,4 milhões de votos entre os dois turnos na disputa contra Lula. “Foi um caso raríssimo, é muito difícil de isso acontecer”, diz Avelino.
Mas Bolsonaro deve ter dificuldades para repetir o desempenho de outros segundos colocados, porque tanto Tebet quanto Ciro já declararam apoio a Lula. Até o momento, as pesquisas apontam Lula à frente nas intenções de voto dos eleitores de ambos os candidatos.
“O caso do Ciro é mais complicado, porque ele refugou muito em seu apoio, mas a Tebet está se engajando com a campanha do Lula e pode mobilizar mais o seu eleitor”, diz Avelino.
Meireles acredita, no entanto, que uma parcela dos eleitores de Ciro deverá votar em Lula.
“Não acho que todo o eleitorado dele ou mesmo boa parte irá para Bolsonaro, porque tem pessoas que são de esquerda e não estariam dispostas a votar nele”, diz.
O pesquisador do Cebrap considera improvável que Bolsonaro consiga repetir o desempenho de Aécio em 2014.
Naquela eleição, o tucano conquistou mais de 16,1 milhões de votos no segundo turno e ficou próximo de conseguir uma virada contra Dilma, que ampliou sua votação em “apenas” 11,2 milhões.
“Agora, Lula já está com um percentual de votos muito alto e, com o apoio formal de Tebet e do PDT, espera-se que aumente, enquanto, do lado do Bolsonaro, ele pode subir, mas não consigo ver como vai conseguir aumentar tanto como o Aécio. Seria surpreendente. O mais provável é que a distância entre os dois fique como está”, diz,
Uma diferença importante entre as eleições de 2014 e 2022 é que Dilma e Aécio somados tiveram o apoio de 54,72% do eleitorado total, enquanto Bolsonaro e Lula receberam 69,24% neste primeiro turno. Esse é o maior percentual em um primeiro turno nas últimas cinco eleições presidenciais.
“Tem poucos votos disponíveis, sem levar em consideração que a abstenção ainda deve aumentar. Conseguir mais de 80% dos votos que sobram não é algo trivial. Bolsonaro vai ter que tirar votos do Lula”, diz Almeida.
Os desertores de Lula e Bolsonaro vão mudar o resultado?
As campanhas têm travado uma batalha intensa para tentar aumentar a rejeição ao adversário e tentar virar votos a seu favor. Mas analistas não acreditam que os desertores de Lula e Bolsonaro têm força para desequilibrar a votação para um lado ou para o outro.
George Avelino aponta, em um estudo realizado com os cientistas políticos Guilherme Russo e Jairo Pimentel Junior, que consultas feitas após as eleições presidenciais e para governos estaduais de 2002 a 2014 pelo Centro de Estudos de Opinião Pública, da Universidade Estadual de Campinas, indicam que só 6% dos eleitores trocaram de lado entre um turno e outro.
“Um eleitor pode mudar de lado, mas isso não quer dizer que vai tudo na mesma direção. O que se observa é que é um grupo pequeno e que metade vai para um lado e metade para o outro. No fim, isso tende a se anular, não faz diferença”, diz Avelino.
Fernando Meireles avalia que o perfil das duas candidaturas, de um político de esquerda e outro de direita, e a forte polarização já no primeiro turno dificultam essa migração de votos.
“Pesquisas feitas após as eleições indicam não ser comum um voto passar de uma ponta do espectro ideológico para outra. Além disso, para a maioria do eleitorado que já escolheu um dos dois candidatos, simplesmente não é viável votar no outro”, diz.
As pesquisas também apontam neste sentido ao indicar que mais de 90% dos eleitores já se decidiram e não cogitam mudar de voto. Avelino acrescenta que particularidades desta eleição contribuíram para a cristalização dos votos.
“Estamos há quase um ano nessa disputa entre dois candidatos carismáticos. É talvez a campanha mais longa de todas, porque não tivemos a Copa do Mundo no meio do ano, o que normalmente faz com que as atenções só se voltem para a eleição de agosto em diante. O eleitor se engajou muito cedo.”
Alberto Carlos Almeida avalia que esse cenário é ruim para Bolsonaro, já que Lula ficou muito próximo de vencer no primeiro turno.
“Quem deposita um voto no primeiro turno dificilmente muda de ideia. Todo mundo já sabe quem são Lula e Bolsonaro e quem vota em um não vota no outro. Tem uma rigidez aí que torna Lula favorito”, diz.
Quais são as chances de vitória de Lula e Bolsonaro?
Além de todas essas variáveis, existe um fator que é preponderante nas estimativas de chances de Lula confirmar sua vitória ou de Bolsonaro conseguir uma virada inédita: a votação no primeiro turno.
George Avelino, Guilherme Russo e Jairo Pimentel Junior desenvolveram um modelo matemático para calcular essa probabilidade com base nos votos recebidos por cada candidato e a distância entre eles. “Tentamos adicionar outras variáveis, mas elas contribuíram pouco para melhorar a capacidade de previsão”, explica Avelino.
O cientista político diz que esse método leva em conta a chamada preferência revelada. “Uma coisa é você fazer uma pesquisa e perguntar em quem a pessoa deve votar, porque ela pode não dizer a verdade ou não ter clareza de quem vai escolher. Outra coisa é a ação concreta, o voto”, afirma.
O modelo foi criado com base nos dados de 128 eleições presidenciais de 44 países e confrontado com os resultados de 287 eleições para presidente e governador no Brasil, o que apontou uma forte correlação entre o apoio que os dois mais votados receberam no primeiro turno e o resultado do segundo turno.
Os cálculos apontam que Lula tem uma probabilidade de 76,7% de vencer a eleição, enquanto Bolsonaro teria 23,3% de chances de virar a disputa.
Os cientistas políticos estimam que o petista deve ter 52,4% dos votos válidos. Com uma margem de erro de 1,7%, teria entre 50,7% e 54,1%. Por sua vez, o presidente receberia 47,6% dos votos, com uma variação entre 45,9% e 49,3%.
Avelino explica que Lula tem mais chances de ganhar porque ele chegou muito perto dos 50%, a soma dos seus votos e de Bolsonaro é muito grande, e a distância entre eles foi significativa.
“Mesmo se o Lula estivesse próximo dos 50%, se a votação tivesse ficado 48% para ele e 47% para o Bolsonaro, por exemplo, a conversa seria diferente. Mas tem menos de 8% do eleitorado sobrando, e Bolsonaro precisa tirar uma desvantagem de pouco mais de 5%”, afirma.
“Essa é uma situação dramática para Bolsonaro. Ele precisaria fazer mágica, precisaria de um fato novo, algo extraordinário para virar.”
Ao mesmo tempo, com tantos votos consolidados e tão poucos eleitores disponíveis, tampouco Lula conseguirá abrir uma vantagem muito maior do que teve no primeiro turno, diz o cientista político.
“Lula não vai estourar de votos, porque não tem muito voto para ele pegar. O resultado vai ser apertado.”
BBC