O presidente eleito, que é aguardado na Conferência sobre as Mudanças Climáticas da Organização das Nações Unidas (COP27), realizada até 19 de novembro em Sharm El Sheik, no Egito, precisará lidar com as altas sucessivas no desmatamento da Amazônia registradas nos últimos anos.
Desde 2017, a destruição da maior floresta tropical do mundo está em crescimento — nos três primeiros anos do governo de Jair Bolsonaro, essa taxa subiu 73%.
Para Suely Araújo, especialista sênior em políticas públicas do Observatório do Clima, a expectativa é de diminuição na taxa de desmatamento já em 2023, “mas a situação atual é de caos e o governo Bolsonaro deixa um cenário de terra arrasada”.
Mas o que precisa ser feito para reverter essa tendência já em 2023?
A BBC News Brasil ouviu ambientalistas e entidades do setor para saber quais seriam as medidas ambientais mais urgentes nos primeiros meses de Lula no cargo — ou até mesmo antes disso. Veja a seguir, cinco medidas que o novo presidente deveria adotar.
1. Desfazer ‘canetadas’
Natalie Unterstell, presidente do Instituto Talanoa, acredita que o próximo governo terá que revogar uma série de medidas e atos administrativos que foram assinados durante os anos Bolsonaro.
“Lula precisa desfazer as ‘canetadas’ que reduziram a proteção ambiental e aumentaram a emissão de gases do efeito estufa no país”, sugere.
Logo após o segundo turno das eleições, o instituto que ela preside publicou um relatório com um mapeamento de todas as decisões tomadas a partir de 2019 que, na visão do grupo, deveriam ser canceladas.
O documento identifica 401 das tais “canetadas” do Poder Executivo que precisariam de alterações.
Segundo a análise, 276 desses atos necessitam de regulações e ajustes, 18 devem ser revogados em algum momento e 107 carecem de uma revogação imediata.
Entre as reversões mais urgentes dentro das políticas ambientais, o instituto chama a atenção, por exemplo, para a flexibilização de atividades como a mineração e a pesca, reforços na proteção da biodiversidade e mudanças na relação com povos indígenas e quilombolas.
“Isso também inclui atos publicados no Diário Oficial que travaram a aplicação de multas ambientais”, acrescenta Unterstell.
2. Restaurar (e atualizar) instituições
Para Araújo, que também foi presidente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) entre 2016 e 2018, será necessário dar um passo além.
“Não é simplesmente revogar o que Bolsonaro fez, porque daí voltaríamos à estrutura do governo de Michel Temer, e essa não é a ideia”, compara.
“É preciso debater o que colocar no lugar.”
Na visão da especialista, até existem certas medidas dos últimos anos que, de fato, merecem uma simples revogação
“É o caso de programas falsos, como o ‘Adote um Parque’, que foram apenas um teatro e não reestruturaram em nada as áreas protegidas”, diz.
“Um dos primeiros atos do próximo governo deve ser a recomposição do Ministério do Meio Ambiente e suas autarquias, reforçando o papel desses órgãos no Governo Federal”, afirma.
Mas Araújo pondera que não basta resgatar e restaurar órgãos como o próprio Ibama e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) — o desafio está em atualizá-los à luz dos desafios atuais.
“É preciso corrigir os retrocessos e olhar para frente”, acredita.
Como exemplo de retomadas com atualizações, a especialista cita os Planos de Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia e no Cerrado, que são conhecidos pelas siglas PPCDAm e PPCerrado.
“Isso tem que ser efetivado e retomado logo no início do governo. Os planos merecem aperfeiçoamento, mas o governo Lula não poderá demorar muito”, defende.
3. Restabelecer diálogos
Tanto Araújo quanto Unterstell destacam a necessidade de o próximo governo voltar a conversar com setores da sociedade e da ciência envolvidos nas questões ambientais.
“Precisamos de um novo plano de combate e prevenção ao desmatamento na Amazônia e nos outros biomas do país”, defende a presidente do Instituto Talanoa.
“Essa força-tarefa pode contar com o auxílio da sociedade civil e da academia”, sugere.
A representante do Observatório do Clima concorda.
“O debate sobre esse trabalho de transição é urgente e importante, e acredito que toda a sociedade civil vai se empenhar para ajudar.”
“O controle do desmatamento precisa ter uma perspectiva interministerial e federativa. Ele não pode ficar só como uma tarefa só do Ministério do Meio Ambiente. Tem que haver participação de todos os ministérios, como da Economia, da Agricultura, da Segurança Pública… Tudo isso de forma coordenada e com liderança dos órgãos ambientais”, complementa.
4. Reavivar o Fundo Amazônia
Unterstell chama a atenção para o Fundo Amazônia, que capta doações vindas de outros países para ações de prevenção, monitoramento e combate ao desmatamento na região.
Logo no primeiro ano do governo Bolsonaro, o então ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, anunciou a intenção de mudar a gestão dos recursos e extinguiu os comitês que orientavam o uso do dinheiro.
Noruega e Alemanha, que foram responsáveis por mais de 99% das doações, decidiram então suspender os repasses.
O valor, que supera os R$ 3,2 bilhões, ficou congelado desde então — em 3 de novembro, o Supremo Tribunal Federal (STF) determinou a reativação do Fundo Amazônia em até 60 dias.
Após a eleição de Lula, o governo da Noruega anunciou que retomará as contribuições a partir de 2023.
Mas Unterstell cita um aspecto que pode travar o aproveitamento completo dos recursos do Fundo Amazônia: mesmo que o dinheiro venha de doações internacionais, ele também está sujeito ao teto de gastos, a lei que restringe as despesas públicas à inflação do ano anterior.
A especialista defende que esse investimento na preservação ambiental fique fora desse limite de orçamento
“Essa é outra medida importante, que gostaríamos inclusive de ver contemplada na PEC [Proposta de Emenda à Constituição] que está sendo debatida no governo de transição”, conta.
“Ou seja, é algo que precisa ser feito até antes de o mandato do próximo presidente começar”, complementa.
5. Atualizar as metas
Por fim, Unterstell destaca a necessidade de atualizar a Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC, na sigla em inglês) do Brasil.
Trata-se do conjunto de compromissos que cada país assumiu para ajudar a combater as mudanças climáticas.
Essas metas estão relacionadas ao Acordo de Paris, assinado por quase 200 nações em 2015.
Elas têm como grande objetivo limitar o aquecimento da temperatura média do planeta em apenas 1,5 °C em comparação com os níveis pré-industriais.
A NDC brasileira mais atualizada estabelece a meta de reduzir a emissão de gases do efeito estufa em 37% até 2025 e em 50% até 2030 (em comparação com os dados de 2005).
Mas Unterstell entende que os objetivos do país também precisam sofrer ajustes.
Em parceria com a ong WWF, o Instituto Talanoa divulgou na COP27 um relatório que analisa as metas nacionais mais recentes.
A publicação conclui que “são necessários aprimoramentos na NDC em vigor” e apresenta “os elementos que o país precisa preparar, comunicar e implementar”.
Entre os problemas apresentados pelas entidades, está a falta de clareza e transparência sobre os critérios utilizados para definir as metas ou os valores de referência.
Um exemplo: de acordo com a avaliação recém-divulgada, não está claro na NDC brasileira como são feitos os cálculos para definir exatamente a emissão dos gases do efeito estufa.
O grupo sugere que o governo forneça informações quantificáveis, estabeleça prazos e períodos de implementação e detalhe os processos de planejamento no setor.
O assunto soa (e é) um tanto complexo, mas definir bem essas políticas ambientais será essencial para que o país contribua para minimizar os estragos relacionados às mudanças climáticas nas próximas décadas, avaliam os pesquisadores.
“Precisamos criar um processo para que a NDC do Brasil seja corrigida em no máximo 90 dias”, estima Unterstell.
“Para isso, será necessário um processo legítimo de debate e bastante diálogo entre áreas técnicas e sociais”, antevê a especialista.
BBC