Candidata ao governo de Pernambuco pelo PSDB, Raquel Lyra, 43, não conseguiu festejar sua ida ao segundo turno, uma surpresa após uma intensa disputa pela vaga. Horas antes do início da votação, em 2 de outubro, a tucana perdeu o marido, o empresário Fernando Lucena, 44, vítima de um infarto fulminante.
Raquel acordou no domingo de madrugada com um susto. Lucena passava mal dentro de casa, no apartamento deles em Caruaru, no agreste, cidade da qual ela foi prefeita. Apesar da tentativa de socorro do Samu, ele não resistiu. O casal tem dois filhos, João e Fernando.
“Desde domingo, me questiono: Por que agora? Como seguir? Fico pensando como você me veria nesse momento, e só tem uma resposta. Você diria: ‘Fica tranquila, vai em frente, vai dar certo'”, disse Raquel, no último sábado (8), durante a missa de sétimo dia do seu marido.
A cerimônia, que aconteceu na catedral de Caruaru, reuniu centenas de pessoas, entre moradores da cidade, autoridades e políticos. Visivelmente abalada, acompanhada pela família, a candidata falou publicamente pela primeira vez desde o episódio. Ela leu uma carta que escreveu para o marido e lembrou do companheirismo dele ao longo de quase 30 anos juntos. “Tive a sorte de encontrar o amor da minha vida aos 14 anos.”
Raquel só retomou as agendas de campanha na segunda-feira (10). Até então, os compromissos foram assumidos pela vice dela na chapa, a deputada estadual Priscila Krause (Cidadania).
“A gente sempre achou a campanha desafiadora, o que não sabia é que vinha uma tragédia no meio”, conta Priscila ao TAB. “Fizemos um esforço muito grande para garantir o transcurso da campanha [no início do segundo turno], do ponto de vista operacional e de articulação política. Para dar a Raquel a tranquilidade e o conforto de poder vivenciar esse luto junto com os filhos e a família e de se colocar de pé de novo.”
Priscila e o deputado federal Daniel Coelho (Cidadania), um dos coordenadores da campanha, articularam os primeiros apoios à candidatura na nova fase das eleições. Entre eles, dois candidatos ao governo derrotados no primeiro turno, Anderson Ferreira (PL) e Miguel Coelho (UB) – terceiro e quinto colocados, respectivamente.
Pessoas próximas à candidata reforçam que ela tem sido “forte” e “decidida” apesar do luto. Falas que reforçam a imagem defendida na campanha em geral, na qual ela é apresentada como ex-delegada da Polícia Federal, responsável por diminuir o índice de violência em Caruaru.
Nos primeiros dias após o retorno, a candidata participou de reuniões internas da equipe para alinhamento de estratégias. Na quarta-feira (12), no entanto, foi pega de surpresa novamente: o filho mais velho, João, 12, teve uma crise de apendicite, precisou ser internado num hospital no Recife e passou por uma cirurgia. Raquel cancelou as agendas. O adolescente, segundo a assessoria de imprensa, passa bem.
Neutra num país polarizado
O afunilamento do segundo turno aumentou a pressão para que Raquel declarasse publicamente seu apoio a um dos candidatos à Presidência. Nas redes sociais, diversas publicações têm tentado associá-la a Jair Bolsonaro (PL), informação reiteradamente desmentida pela equipe de comunicação dela.
“A gente só lamenta o uso disso numa verdadeira indústria de fake news que está sendo feita no intuito de atingir nossa candidatura”, critica Priscila.
O TRE-PE (Tribunal Regional Eleitoral de Pernambuco), em decisão liminar divulgada na quarta-feira, determinou a retirada de publicações na internet que indicavam uma aliança política entre Raquel e Bolsonaro. O desembargador Dario Rodrigues Leite de Oliveira classificou as mensagens como informação “inverídica”, capaz de influenciar o eleitorado.
De acordo com a denúncia, o autor das postagens é José Matheus Gomes de Araújo, coordenador de militância de Marília Arraes (Solidariedade), que está na disputa do segundo turno. A Justiça Eleitoral deu prazo de 24 horas para a exclusão das postagens, sob pena de multa de R$ 5.000.
A ligação de Raquel com apoiadores de Bolsonaro (como o ex-ministro da Educação Mendonça Filho) e a demora em se posicionar sobre a disputa presidencial abriram brecha para que algumas pessoas a chamassem de “bolsonarista”. No estado, Lula (PT) teve 65,27% dos votos no primeiro turno.
Também na quarta-feira, a candidata fez uma live no Instagram para afirmar sua neutralidade no pleito federal. A decisão, conforme apurou o TAB, foi mediada pelo pai de Raquel, João Lyra Neto (PSDB).
Uma fonte próxima ao ex-governador, que foi vice de Eduardo Campos (PSB) no comando do estado, conta que ele já havia conversado com Lula e garantido que não haveria apoio local a Bolsonaro. A relação dos dois é antiga: Lyra Neto, que já teve passagens pelo PT, PSB e PDT, foi vice-líder do governo Miguel Arraes na Alepe (Assembleia Legislativa de Pernambuco) e ocupou o cargo de secretário de Saúde, Educação e de Segurança Pública na gestão de Campos.
Hoje no PSDB, Raquel iniciou a carreira política no PSB, onde ficou durante nove anos e só saiu em 2016, quando concorreu à Prefeitura de Caruaru. Participou do governo de Campos, em 2007, foi eleita deputada estadual em 2010 e, entre 2011 e 2014, foi secretária de Infância e Juventude do estado. Em 2014, foi reeleita deputada. Marília, com quem hoje Raquel disputa o governo, também atuou no PSB e no governo de Campos (entre 2007 e 2008, foi secretária de Juventude e Emprego de Pernambuco).
Subida nas pesquisas
Pela primeira vez, Pernambuco terá uma mulher à frente do governo. Raquel Lyra e Marília Arraes passaram para o segundo turno com uma diferença de 166 mil votos. A ex-prefeita de Caruaru recebeu 1.009.556 (20,58%), enquanto a deputada federal teve 1.175.651 votos (23,97%).
Nos bastidores das duas campanhas, interlocutores dizem que a morte de Fernando Lucena pode influenciar o resultado do segundo turno. “A avaliação interna é que a morte pode comover o eleitorado e aumentar a votação de Raquel”, disse uma liderança do Solidariedade ao TAB, no último domingo.
O episódio trágico desencadeou também erros de condução na campanha de Marília, segundo o entrevistado. O principal deles foi se contrapor ao adiamento da propaganda eleitoral para o segundo turno. Em 5 de outubro, a coligação Pernambuco Quer Mudar, formada por PSDB-Cidadania e PRTB, pediu à Justiça Eleitoral para mudar a data de volta da campanha na TV e no rádio por causa do luto da candidata.
Os partidos queriam que, em vez de na sexta-feira (7), as propagandas fossem retomadas na segunda (10). O TRE-PE negou o pedido após consultar a coligação Pernambuco na Veia, composta por Solidariedade, PSD, Avante, Agir, PMN e Pros.
“Essa decisão em geral não foi errada. A vice de Raquel já estava em campanha, fazendo reuniões e articulação. Mas dizer ‘não’ ao pedido soou como uma maldade”, explica o interlocutor. “Deu brecha para o PSDB e o Cidadania usarem isso contra Marília, acusando ela de não ter coração.”
O primeiro programa exibido pela tucana, com imagens de arquivo da campanha e dela com a família, teve uma homenagem a Lucena e críticas à negativa de Marília.
Na última terça-feira (11), a pesquisa do Ipec mostrou que Raquel Lyra virou e tem 50% das intenções de votos totais no segundo turno, enquanto Marília Arraes está com 42%. Pela primeira vez, desde o início do processo eleitoral de 2022, a tucana aparece na liderança das intenções de voto no estado.
Uol