Litografia ultravioleta extrema é usada em “impressoras” de chips, e serve para fazer as CPUs mais poderosas que existem; EUA não permitem sua exportação para os chineses, que por isso estão dez anos atrás do Ocidente – mas, agora, dão um sinal de reação
No apagar das luzes de 2022, a empresa chinesa Huawei registrou uma patente que pode alterar a relação de forças entre China e EUA – e reduzir o risco de uma guerra envolvendo Taiwan. Envolve a litografia ultravioleta extrema, uma tecnologia tão avançada e crítica que tem a comercialização controlada pelos americanos.
Ela só existe na Twinscan NXE, uma enorme máquina produzida na Holanda pela empresa ASML (Advanced Semiconductor Materials Lithography). A máquina pesa 180 toneladas, custa US$ 150 milhões e consome 1,3 milhão de watts de eletricidade – que usa para “imprimir” os chips de computador mais avançados que existem. Consegue fazer isso graças à litografia ultravioleta extrema (EUV), que gera e maneja luz de altíssima frequência, com ondas incrivelmente pequenas – microscópicas o suficiente para desenhar as estruturas dos chips.
A China não tem essa máquina, nem pode comprá-la: os EUA não permitem que ela seja exportada para o país. A ASML até gostaria de fazer isso, mas não pode – pois a Holanda assinou o Acordo de Wassenaar, um tratado de 1996 que proíbe a exportação de armas e tecnologias de “uso dual” (civil e militar) para certos países, incluindo a China.
Dessa forma, os chineses permanecem bem atrás do Ocidente na fabricação de chips. E isso, como a Super mostrou numa reportagem publicada em janeiro de 2022, está na raiz das tensões envolvendo Taiwan – onde fica a TSMC (Taiwan Semiconductor Manufacturing Company).
Essa empresa, que fabrica os processadores da Apple, da Qualcomm, da AMD e da Nvidia, opera a maioria das máquinas de litografia extrema – por isso, ela faz os chips mais avançados do mundo, esculpidos com precisão de 3 a 5 nanômetros (20 mil vezes menos que a espessura de um fio de cabelo). Quanto mais preciso o processo, mais transistores você consegue colocar na CPU – com isso, ela se torna mais potente e consome menos energia.
A China até tem máquinas da ASML, mas só de gerações bem mais antigas, sem litografia extrema. E sua tecnologia própria está muito, mas muito aquém da ocidental. Até 2021, o país só dominava o processo de fabricação de 90 nanômetros, rudimentar pelos padrões atuais – é o mesmo usado no Pentium 4, uma CPU que a Intel lançou em 2004, quase vinte anos atrás.
Ao longo de 2022, os chineses conseguiram tirar parte da diferença, passando a dominar a tecnologia de 28 nanômetros – com ela, dá para fazer chips equivalentes aos que o Ocidente produzia em 2012.
Se a China assumir o controle de Taiwan, terá acesso imediato à tecnologia de litografia extrema, zerando essa defasagem. Passará a mandar na TSMC, e por isso controlará boa parte da produção mundial de chips, podendo dificultar ou vetar sua exportação para os Estados Unidos, por exemplo.
Também poderá assumir a liderança tecnológica nas próximas gerações de CPUs – usadas não só em produtos de consumo, mas também em equipamentos e sistemas militares. A supremacia em chips de computador, a coisa mais complexa que a humanidade produz, é um elemento central nas tensões envolvendo EUA, China e Taiwan. Pode desencadear uma guerra.
Mas também há outro caminho. Na última semana de dezembro, a Huawei registrou a patente da sua própria tecnologia de litografia ultravioleta extrema – com a qual a China poderia alcançar o Ocidente, e começar a produzir chips avançados.
A notícia derrubou as ações da holandesa ASML, que deixaria de ter o monopólio dessa tecnologia. E pode ter consequências geopolíticas: se a China conseguir alcançar o Ocidente na tecnologia de CPUs, perderia uma das principais motivações para tentar retomar Taiwan.
A ilha foi colonizada pelos holandeses em 1624 e esteve em mãos chinesas entre 1683 e 1895, para então ser cedida ao Japão, que a controlou até 1945. Ao final da Segunda Guerra Mundial, passou a um status ambíguo. Embora Taiwan tenha seu próprio governo, independente da China, apenas 13 países reconhecem a ilha como uma nação de fato.
A patente da tecnologia EUV não significa que a Huawei esteja pronta para começar a fabricar chips avançados. Ela ainda precisa construir, testar e aperfeiçoar as máquinas, um processo que pode levar vários anos – ou simplesmente não dar certo. Mas a patente indica que, agora, a China já enxerga o caminho a seguir.
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