Pfizer, Moderna, Janssen e AstraZeneca oferecem alta proteção contra casos graves e hospitalização pela nova variante do coronavírus. Mas não impedem que ela seja transmitida – e é justamente aí, num momento em que EUA e Reino Unido retomam a vida pré-pandemia, que mora o perigo. Entenda por que.
A variante Delta do coronavírus, ou B.1.617.2, foi descoberta na Índia em outubro de 2020. Nos últimos meses, ela se espalhou com mais força por vários países, onde foi se tornando dominante. Na Inglaterra, já é responsável por mais de 90% dos novos casos de Covid. Nos EUA, 51,7% (já supera 80% em alguns Estados). E ontem foi confirmado o primeiro caso da variante Delta em São Paulo – ou seja, ela também deverá se espalhar por aqui.
As vacinas continuam funcionando. Em Israel, a vacina da Pfizer manteve 93% de eficácia contra casos graves e hospitalização em pessoas infectadas pela variante Delta. Na Inglaterra, a AstraZeneca demonstrou 92% de proteção contra casos graves e internação causadas pela Delta. A vacina da Moderna Therapeutics manteve a eficácia em testes de laboratório, e a da Janssen Biotech (subsidiária da Johnson & Johnson) também. A empresa chinesa Sinovac, que criou a Coronavac, ainda não publicou os resultados de testes contra a nova variante. Porém, na semana passada, um porta-voz da empresa mencionou a possibilidade de usar uma terceira dose da vacina contra a variante Delta.
Resumindo: com exceção da Coronavac, sobre a qual ainda não há clareza, as vacinas continuam protegendo contra a nova variante. É por isso que, mesmo com o forte aumento nos casos de Delta nos EUA e no Reino Unido, a taxa de hospitalização continua muito baixa, e o número de mortes segue caindo – ele já está abaixo dos níveis registrados em março de 2020, antes da primeira explosão da pandemia. Nesses países, grande parte da população já está vacinada.
Mas há uma diferença, e ela é muito importante. As vacinas são menos eficientes contra a transmissão da variante Delta. Em Israel, onde 99% dos novos casos de coronavírus são Delta, a eficácia global (que inclui casos leves ou assintomáticos) da vacina Pfizer caiu de 95% para 64%. Ela continuou muito eficaz (93%) contra casos graves e hospitalização, mas não foi tão boa para impedir que as pessoas pegassem o Sars-CoV-2. Com a vacina da AstraZeneca, idem: a eficácia global cai de 73% para 60%. É bem provável que aconteça a mesma coisa com as demais.
Agora você pergunta: qual o problema disso? Afinal, se eu estiver vacinado (os dados sempre consideram o regime vacinal completo, de duas doses; ou uma dose da vacina Janssen), não vou ficar gravemente doente mesmo se pegar a variante Delta, certo? Certo. O risco disso acontecer é pequeno. O problema é que se você contrair a Delta, poderá transmiti-la para outras pessoas – e isso significa que, mesmo quando quase toda a população estiver vacinada, o vírus continuará circulando por muita gente. E é aí que mora o perigo.
Nos EUA, 30 Estados já dispensaram o uso obrigatório de máscara, e o Reino Unido se prepara para o chamado Freedom Day: em 19 de julho, o país irá encerrrar praticamente todas as regras e restrições sanitárias criadas durante a pandemia. Com esse “liberou geral”, a tendência é que a variante Delta se espalhe em grau inédito, infectando uma parcela muito maior da população. Em seguida, duas coisas podem acontecer.
A primeira delas é: nada. Nesse cenário, a variante Delta se propaga ferozmente, mas as vacinas continuam evitando sintomas graves, o vírus não sofre novas mutações importantes, e a pandemia começa a acabar (pelo menos nos países onde muita gente já foi vacinada). Acontece que o Sars-CoV-2 ainda está evoluindo bastante – o próprio surgimento da Delta, e sua rápida transformação em cepa dominante, prova isso. E isso nos leva ao segundo cenário, mais sombrio. Nele, a propagação desenfreada da variante Delta acaba gerando mutações que, aí sim, eventualmente tornam as vacinas ineficazes.
Algumas das variantes mais críticas, como a Alfa, a Gama e a própria Delta, surgiram justamente após períodos de forte disseminação do vírus num determinado lugar – respectivamente, Inglaterra, Manaus e Índia. Altas taxas de infecção tendem a gerar mais mutações.
É impossível prever qual dos dois caminhos a natureza irá tomar. Mas uma coisa é clara: a reabertura geral e irrestrita que EUA e Reino Unido pretendem fazer envolve um risco considerável. Após 16 meses de pandemia, as pessoas estão cansadas, a economia ferida e os políticos ansiosíssimos para anunciar o “fim” da crise e colher os frutos disso. Só que a evolução do vírus não tem nada a ver com psicologia, votos ou PIB. Ela segue, apenas, a lógica fria da seleção natural.
Será que jogar fora as máscaras e as regras e passar a depender unicamente das vacinas, num momento em que o Sars-CoV-2 dá sinais robustos de evolução e já consegue infectar parte dos imunizados, é mesmo uma boa ideia?
Portugal, Espanha, Alemanha e França optaram por um meio termo, colocando algumas restrições para a entrada de estrangeiros. A Noruega tomou medidas mais duras, anunciando que irá adiar sua reabertura econômica. EUA e Reino Unido, por outro lado, já sinalizaram que não irão alterar seus planos. Estão fazendo uma aposta bem grande – possivelmente, a maior de toda a pandemia.
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