A tragédia que o Rio de Janeiro viveu nesta semana – uma operação policial que terminou com mais de sessenta mortos, dezenas de feridos e uma cidade inteira sitiada pelo medo – é mais do que um episódio isolado de violência urbana. É, infelizmente, o espelho do Brasil. Um retrato fiel de um país que aprendeu a naturalizar o horror, a contabilizar corpos e a chamar isso de “combate ao crime”.
A Operação Contenção, deflagrada nos complexos do Alemão e da Penha, foi descrita como a maior ação de segurança pública da história recente do país. Dois mil e quinhentos agentes, helicópteros, blindados, drones. Tudo para enfrentar o poder de fogo de facções que, há décadas, controlam territórios e impõem leis próprias. O resultado? Mortes, medo e a sensação de que, apesar de todo o aparato, seguimos no mesmo lugar.
O problema é estrutural. Falta ao Brasil uma política de segurança pública que vá além do confronto armado. Que entenda que a guerra declarada nas favelas não se vence com fuzis, mas com presença do Estado – com escola, saúde, urbanização, emprego e dignidade. Hoje, o Estado chega tarde e chega atirando. Depois, sai deixando o rastro de sangue que, inevitavelmente, será esquecido até a próxima operação.
As pesquisas confirmam o que a realidade escancara: a falta de segurança é, ao lado da economia e da saúde, uma das maiores preocupações do brasileiro. E não é por acaso. Vivemos com medo de tudo – de parar no sinal, de voltar pra casa à noite, de deixar o filho ir à escola. O medo se tornou um elemento cotidiano, tão brasileiro quanto o futebol ou a feijoada.
Mas o que mais impressiona é como o país parece aceitar essa falência como algo inevitável. O discurso fácil de “bandido bom é bandido morto” continua rendendo voto e curtida, enquanto o policial que morre no front é esquecido no dia seguinte. Enquanto isso, os governos trocam comandos, criam operações com nomes de impacto e seguem sem apresentar um plano real, duradouro, que vá à raiz do problema.
O Brasil é o país das operações espetaculares e das soluções curtas. A cada nova tragédia, uma coletiva de imprensa, um número inflado de apreensões, uma promessa vaga de “retomar o controle”. E, no fundo, o controle nunca é retomado – apenas remanejado.
O que vimos no Rio não é apenas um episódio policial. É o retrato de um país que tenta apagar incêndios com gasolina. Um país que se arma até os dentes, mas continua desprotegido até a alma.
Enquanto o Estado continuar confundindo segurança com vingança, continuaremos assistindo a essas cenas – helicópteros sobrevoando favelas, corpos no chão e um silêncio pesado no dia seguinte. Porque o verdadeiro desafio do Brasil não é vencer o crime. É reencontrar a humanidade.
Por: Napoleão Soares






