É estranho que a primeira reação dos bolsonaristas tenha sido dizer, como fez o deputado Eduardo Bolsonaro, que planejar um crime não é crime. Pode ser que, legalmente, quando se trata de um crime comum, seja essa a conclusão jurídica. Mas, no caso do plano de um golpe de Estado, toda a movimentação, mesmo que os autores não consigam concretizar o objetivo, é uma conspiração contra o Estado de Direito e deve ser considerada como tal pela Justiça. Uma conspiração não pode passar impune porque não deu certo.
Os militares, alguns da ativa, envolvidos nessa trama não podem ser liberados apenas porque a tentativa não deu certo . Muito menos é razoável tentar afirmar que a trama que vai sendo revelada é uma invencionice política do governo atual, quando o relato que baseia as acusações foi feito pelos próprios envolvidos, em documentos que deixaram para trás, arquivados em computadores ou telefones celulares.
Sempre achei que determinar busca e apreensão meses ou anos depois do fato acontecido seria perda de tempo, pois imaginava que os autores de crimes tivessem o cuidado de se desfazer das provas que os acusassem. Mas várias vezes, inclusive essa, me surpreendi com a descoberta de documentos que confirmavam as suspeitas das investigações. Desta vez, aliás, a coleta de provas foi mais robusta. É possível que esses criminosos guardem documentos para a eventualidade de terem de barganhar alguma saída com os parceiros de empreitada.
É assustador saber que, dentro do Palácio do Planalto, havia gente colaborando com tentativas de assassinatos e golpes. Não apenas os integrantes do gabinete do ódio, mas também os do gabinete presidencial participavam dessas operações criminosas, imprimindo roteiros dos atentados no próprio Planalto, o que sugere um ambiente dominado pela insurreição.
O próprio tenente-coronel Mauro Cid, oficial de gabinete do então presidente Bolsonaro, foi chamado novamente para depor, porque a Polícia Federal descobriu no celular dele situações que não haviam sido contadas na sua delação, inclusive as relacionadas a esta tentativa de assassinato do presidente eleito Lula, do vice Geraldo Alckmin e do ministro do Supremo Alexandre de Moraes. Todo o aparelho do governo estava comprometido com sua continuidade, mesmo depois da derrota nas urnas. Revendo a situação, são várias indicações de que até o último minuto esperavam uma reviravolta.
O general Braga Netto, apontado como um dos envolvidos no golpe, seria o chefe do conselho que assumiria o governo. Mesmo depois da vitória de Lula, continuaram fazendo projetos para impedir a posse. Braga Netto, certa vez, ao sair do Palácio da Alvorada, dirigiu-se aos bolsonaristas afirmando que não desistissem, pois estavam para acontecer novos fatos.
É assustador o nível a que chegaram. Viviam num mundo paralelo, de pesadelos, sombras e golpes. Pode ser que pensassem que o golpe aconteceria, e nem se preocuparam em esconder provas. Foi tudo ao mesmo tempo organizado e tramado, mas se esqueceram de conquistar maioria nas Forças Armadas, o que inviabilizou a intentona.
As novas descobertas reforçarão a denúncia do procurador-geral da República, Paulo Gonet. É possível que a definição do processo seja prorrogada para início do próximo ano para compreender as novas descobertas da Polícia Federal. Mas acaba a chance de anistia, Bolsonaro será cassado e condenado, preso por incitar golpe de Estado. Tudo mostra o caminho que era percorrido. Não é porque os golpistas formaram um exército de Brancaleone que não devam ser punidos.
O Globo