Após uma aprovação rápida no Senado, a PEC da Transição “travou” na Câmara dos Deputados. A estimativa é que ela fosse votada ainda nesta semana, mas o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL) sequer a colocou em pauta. A expectativa é de que ela só entre em votação na semana que vem.
A proposta de emenda constitucional (PEC) é considerada estratégica pela equipe do governo do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para cumprir algumas das promessas feitas durante a campanha eleitoral deste ano. A principal delas é o pagamento do Auxílio Brasil de R$ 600 em 2023.
Mas por que a PEC aprovada com rapidez no Senado está “patinando” na Câmara dos Deputados?
A BBC News Brasil ouviu especialistas que apontaram dois motivos principais para explicar a demora para que a medida seja colocada em votação: a indefinição sobre o chamado “orçamento secreto”, cuja legalidade está sendo julgada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), e a pressão feita pelo Centrão por cargos no futuro governo Lula.
O que é a PEC da Transição?
A medida ganhou o apelido de “PEC da Transição” porque vem sendo desenhada por aliados de Lula.
O texto aprovado no Senado prevê uma ampliação do teto de gastos de até R$ 168,9 bilhões para os anos de 2023 e 2024.
Desse total, R$ 145 bilhões serão destinados ao pagamento do Auxílio Brasil de R$ 600 e um bônus de R$ 150 para cada família com criança de até seis anos de idade.
Sem essa ampliação do teto, dizem aliados de Lula, o governo não teria como pagar os benefícios nestes valores a partir de janeiro de 2023.
Além disso, o texto também prevê que até R$ 23,9 bilhões fruto de arrecadações extraordinárias poderiam ser usados para investimentos.
A PEC da Transição é considerada importante para o novo governo Lula porque permite que ele cumpra a promessa de manter o valor do Auxílio Brasil sem violar a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), o que poderia gerar eventuais pedidos de impeachment.
Além disso, com a ampliação do teto de gastos para o pagamento do auxílio, o governo poderá usar o espaço que será aberto no orçamento para recompor as verbas de outros programas, como o das farmácias populares, além de aumentar as verbas para a merenda escolar.
Na etapa anterior, a condução da PEC foi feita por uma espécie de “dobradinha” entre o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e o senador Alexandre Silveira (PSD-MG).
Pacheco se manteve relativamente distante do presidente Jair Bolsonaro (PL) durante a corrida eleitoral e é visto como uma figura moderada no Congresso Nacional. Silveira, por sua vez, é cotado para assumir um cargo no futuro governo Lula.
O resultado é que a PEC demorou apenas dois dias para ser aprovada no Senado.
Orçamento secreto e PEC da Transição
Mas se o consenso no Senado foi tão rápido, a história não se repetiu na Câmara dos Deputados. Sob o comando de Arthur Lira, que foi aliado de Bolsonaro ao longo dos últimos anos e durante a corrida eleitoral, a Casa ainda não começou a apreciar a matéria.
Para o professor de Ciência Política na Fundação Getúlio Vargas (FGV) Marco Antônio Teixeira, os dois principais fatores atrasando a tramitação da PEC são: o julgamento no STF sobre o “orçamento secreto” e a pressão de Lira e outros líderes do Centrão por cargos no futuro governo.
O “orçamento secreto” é como ficaram conhecidas as emendas do relator-geral do orçamento. As emendas parlamentares são mecanismos em que deputados ou senadores podem destinar verbas do orçamento para municípios, obras ou programas de sua preferência. Essas emendas, normalmente, contém informações sobre quem são seus autores e a quais projetos específicos o dinheiro se destina.
Nas emendas de relator-geral do orçamento, esse nível de detalhamento é menor.
Críticos afirmam que, durante o governo do presidente Jair Bolsonaro, houve um aumento no valor destinado às emendas de relator, que a falta transparência abria brechas para casos de corrupção e que o mecanismo foi usado para comprar apoio político.
Bolsonaro, no entanto, nega responsabilidade no funcionamento do chamado “orçamento secreto”.
Nesta semana, o STF deu continuidade ao julgamento de uma ação que pede o fim das emendas do relator-geral do orçamento. O julgamento foi interrompido na quinta-feira (15/12) e o placar está cinco a quatro pelo fim do mecanismo
“Os deputados estão aguardando o julgamento no STF e tentando alguma forma de manter o orçamento secreto. Essa demora em votar a PEC é uma forma de pressionar o STF a fazer alguma concessão para que o mecanismo não seja extinto”, disse o professor.
“Eles estão esperando o julgamento porque, se o Supremo julgar o orçamento secreto inconstitucional, eles vão querer barganhar mais recursos em outros tipos de emendas e vão aproveitar a PEC da Transição para fazer isso”, disse.
Enquanto o julgamento do orçamento secreto no STF aguarda uma conclusão prevista para a semana que vem, deputados e senadores aprovaram uma resolução que muda algumas regras das emendas de relator.
Uma das mais importantes delas é o fim da possibilidade de que a autoria de uma emenda de relator possa ser atribuída à nomenclatura “usuário externo”, sem a designação exata do seu responsável.
A medida é vista como uma forma de dar mais transparência às emendas do relator e apresentar uma satisfação ao STF para convencer a Corte a manter o orçamento secreto em pé.
Disputa por cargos
Outro elemento apontado pelos especialistas para explicar a demora na tramitação da PEC da Transição seria a suposta pressão feita por Lira e outros líderes do Centrão por cargos no novo governo Lula.
Até agora, Lula anunciou cinco ministros, todos eles do PT ou próximos ao partido: Fernando Haddad (Economia), Rui Costa (Casa Civil), José Múcio Monteiro (Defesa), Mauro Vieira (Relações Exteriores) e Flávio Dino (Justiça e Segurança Pública).
Outros nomes são especulados, como o do ex-governador do Ceará Camilo Santana (PT), apontado como futuro ministro da Educação. O desafio do futuro governo, porém, é acomodar o grande número de aliados que se formou durante a eleição e que inclui, por exemplo, a senadora e ex-candidata à Presidência Simone Tebet (MDB).
Reportagem publicada no portal “UOL” nesta semana mostra que Lira estaria pressionando o governo eleito para indicar o novo ministro da Saúde, uma das pastas com o maior orçamento do governo federal. Segundo o portal o “Metrópoles”, Lira quer o comando do Ministério da Saúde ou de Minas e Energia.
Além de Lira, outros partidos do chamado Centrão também estariam pressionando o governo por cargos, como o MDB do senador Renan Calheiros (AL), que é adversário político de Lira em Alagoas.
“Há uma briga por espaço na composição do governo. Lira e Renan brigam para ocupar esses cargos e isso está travando, também, a definição sobre a PEC da Transição”, aponta Marco Antonio Teixeira, da FGV.
“Os deputados estão negociando e usando a PEC da Transição para obter cargos nos ministérios. Enquanto essa negociação acontece, a PEC não anda”, diz Denilde Holzhacker, professora assistente no curso de relações internacionais da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM).
Oficialmente, porém, Arthur Lira nega que a demora na votação da PEC da Transição seja resultado de algum tipo de barganha. Segundo reportagem publicada pela CNN Brasil, a medida começará a ser votada na semana que vem e o tempo que se levou para colocá-la em votação foi para obter uma “acomodação dos votos”, uma vez que, até agora, não haveria apoio suficiente para aprovar a PEC.
“Diferentemente do que tem sido noticiado, sem nenhum tipo de barganha, porque essa presidência nunca fez, mas acomodando votos para que se tenha o quórum necessário para enfrentar as votações principais e os destaques que possam vir do plenário desta Casa”, afirmou Lira.
BBC