Em um país onde a mulher sequer manda no próprio corpo, discute-se qual deve ser o papel da primeira-dama de um governante. Ela deve se envolver com políticas públicas ou apenas cumprir o protocolo que a reduz à condição de acompanhante?
Michelle Bolsonaro apresentou-se primeiro como “cuidadora” do marido e de sua família turbulenta. Depois, revelou-se uma atriz nata quando Bolsonaro concluiu que sua presença na campanha poderia lhe trazer votos. Trouxe, mas não o suficiente.
Janja, a mulher de Lula, superou Michelle em protagonismo nas eleições deste ano. E tudo indica que ao fim do novo governo terá sido a primeira-dama com mais exposição pública da história política do Brasil. Haverá alguma coisa errada nisso?
No país onde só mulheres ricas podem interromper uma gravidez indesejada sem pôr a vida em perigo e sem ir para a cadeia, Janja virou alvo de críticas. Não, ela não foi eleita para nada, quem se elegeu foi o marido. Portanto, deve permanecer à sombra dele.
Cita-se Ruth Cardoso, socióloga como Janja, mulher do ex-presidente Fernando Henrique, como exemplo ideal de primeira-dama. Ela tinha todas as credenciais para se envolver com políticas públicas, mas escolheu não fazê-lo, ou se o fez nunca se soube.
A palavra correta é esta: Ruth escolheu não se envolver. Detestava Brasília. Continuou dando aulas na Universidade de São Paulo e só apareceu ao lado do marido quando o protocolo da presidência da República assim exigia. E nem em todas as ocasiões apareceu.
Michelle pode ter-se submetido às escolhas do marido, na maior parte do tempo limitada a comportar-se como peça decorativa, e no momento em que ele reconheceu seu talento para seduzir plateias, ocupando a boca do palco. Mas foi uma escolha dela.
Por que a escolha de Janja não pode ser outra? O lugar da mulher deveria ser qualquer um que ela deseje estar e possa estar. Nancy Reagan, mulher do ex-presidente Ronald Reagan, foi uma das primeiras-damas mais influentes dos Estados Unidos.
Descobriu-se isso quando se contou a história do governo Reagan, um presidente que, como Bolsonaro, não gostava de pegar no pesado. Michelle Obama foi tão influente que seu nome ainda é cogitado para a presidência da República pelo Partido Democrata.
Foi Hillary Clinton, ativista política como era seu marido na juventude, que impulsionou a carreira de Bill, levando-o a se eleger presidente. Uma vez traída por ele que fez sexo com uma estagiária da Casa Branca, escolheu não deixá-lo e se elegeu senadora.
Janja foi bem-sucedida na missão de fazer Lula feliz enquanto ele esteve preso e de participar de sua campanha vitoriosa. O país só terá a ganhar se ela somar seus conhecimentos aos dele para nos tirar do buraco cavado por Bolsonaro nos últimos quatro anos.
Metrópoles