Um estudo liderado pelo mastologista Henrique Lima Couto, presidente do Departamento de Imagem e Procedimentos Minimamente Invasivos da Mama da Sociedade Brasileira de Mastologia (SBM), desenvolveu uma técnica capaz de diagnosticar e tratar o câncer de mama ao mesmo tempo, eliminando a necessidade da cirurgia tradicional em muitos casos.
“Esse é um estudo em que mulheres com lesões de menos de 15 mm, pequenas, detectadas por exames de mamografia ou ultrassom, são submetidas ao VAE, que é a retirada completa daquela lesão”, explica Henrique.
Como funciona a técnica?
Além da retirada do próprio câncer através do VAE, os pesquisadores envolvidos no estudo desenvolveram uma técnica conhecida como shaving , que é a retirada das bordas onde ficava o tumor, para evitar um novo aparecimento. “Depois que eu tiro toda a lesão, eu tiro também as margens de segurança”, afirma Henrique.
O procedimento utiliza um dispositivo de vácuo para extrair a lesão por completo, incluindo essas “margens de segurança”, e pode ser realizado em locais simples, como clínicas e até em barcos, viabilizando sua aplicação em áreas remotas, como a Amazônia.
“Tudo leva a crer que o que é menos invasivo é melhor e mais rápido, mas estamos comparando a satisfação das pacientes com a cirurgia”, diz Henrique.
Até ao momento, os resultados são extremamente promissores, com 100% de sucesso em mais de 60 casos.
Procedimento “tranquilo”
Uma das pacientes operadas pela equipe de Henrique é Denilza Crista Ferrari, de 61 anos, que descreve o procedimento como “tranquilo”, apesar de ter tido bastante medo quando descobriu o câncer.
Denilza conta que deixou de ir ao ginecologista após o início da pandemia de Covid-19. Em setembro de 2023, por insistência da filha, decidiu ir ao médico e descobriu um câncer de mama.
“Na hora que a gente escuta isso, a gente não acredita. De lá, passei na igreja e falei com o Senhor: ‘Senhor, você me cura’. As pessoas percebiam que eu estava tensa. Talvez senti medo na hora, mas precisei encarar”, lembra.
Denilza explica que o nódulo era muito pequeno e, por isso, não percebeu nenhum caroço na mama. O procedimento de retirada do tumor introduziu uma espécie de metal na mama para fazer o tratamento, objeto que fica alguns dias com a paciente após a retirada do tumor para ter a referência do local de onde ele foi tirado.
“Foi tranquilo. De lá para cá, fiz seis sessões de quimioterapia e vou tomar o medicamento por cinco anos, que é para prevenção. Fiz novamente a mamografia e a mama está ‘limpinha'”, conta.
Henrique compara o tratamento convencional com o realizado nas pacientes que participam do estudo: “Hoje, a paciente que tem um nódulo de um centímetro, ela vai fazer a biópsia; se o resultado é câncer, ela faz o pré-operatório e a cirurgia pode demorar de um mês, no convênio, a até 45 semanas, via SUS. Com a nova técnica, a mulher vem fazer uma biópsia e já sai sem nada, além de diminuir a mutilação”.
Denilza comenta que não sentiu dor no procedimento, apesar da mama ficar roxa após o sucção. Henrique comenta que a situação é normal: “O tratamento após o procedimento é usar um gelo ou analgésico, porque às vezes dá um hematoma, mas a cirurgia também dá”.
Origem do estudo
A ideia para o procedimento surgiu em 2016, quando a equipe de Henrique percebeu que algumas pacientes que haviam feito biópsias tiveram o câncer removido no próprio procedimento. “Desenvolvemos a técnica a partir desses casos. Hoje, sabemos que ela funciona para nódulos pequenos, de até 15 mm, e que pode evitar a cirurgia em muitos casos”, ressalta.
Para chegar ao método atual, o grupo já conduziu uma tese de doutorado e outra de mestrado, além de ter registrado o estudo no Comitê de Ética e Pesquisa em Brasília.
Embora promissora, a técnica ainda não está amplamente disponível e, atualmente, é realizada apenas na clínica de Henrique, em Belo Horizonte, onde o estudo está sendo conduzido.
Prevenção e fatores de risco
O câncer de mama é uma das principais causas de morte em mulheres no Brasil, com estimativa de mais de 73 mil novos casos por ano, segundo o Instituto Nacional de Câncer (Inca). “No Brasil, 40% dos casos acontecem em mulheres abaixo dos 50 anos. No entanto, o Ministério da Saúde oferece mamografias gratuitas apenas para mulheres acima dessa idade, o que prejudica a detecção precoce em muitas pacientes”, critica o mastologista.
Henrique reforça a importância da prevenção. “Quanto mais cedo o tumor for detectado, maiores as chances de cura. A Sociedade Brasileira de Mastologia recomenda mamografias anuais a partir dos 40 anos”.
Segundo o médico, alguns dos fatores de risco para a doença são ser do sexo feminino, hereditariedade e fatores comportamentais, como obesidade, consumo excessivo de bebida alcoólica e uso de hormônios femininos ao longo da vida.
Já do lado dos fatores que reduzem a possibilidade de câncer de mama, estão ter o primeiro filho antes dos 30 anos e amamentar, diz o especialista.
Próximos passos
A pesquisa está mostrando uma técnica que é possível de fazer o diagnóstico e o tratamento ao mesmo tempo. A próxima fase seria fazer uma espécie de estudo controlado, no qual parte dos participantes faz o tratamento inovador e outros fazem o tratamento comum, para analisar a diferença entre os procedimentos.
IG